CRÍTICA #2 | ‘Kiki: Os Segredos do Desejo’ poderia ir além de uma simples atualização

Tatiana Reuter

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14 de junho de 2017

Há uma nova onda no cinema internacional que investe em refilmagens de filmes recentes. Sucessos de público ou não, os diretores negociam direitos de obras lançadas há pouco tempo para criarem sua versão a partir daquele roteiro. Problema nenhum, mas levanta a questão se não deveríamos aguardar mais para relembrar algo que vimos outro dia.

CRÍTICA | Questões éticas e morais são discutidas na boa comédia ‘Kiki: Os Segredos do Desejo’

Assim acontece com Kiki: Os Segredos do Desejo, de Paco León. O filme é a refilmagem do australiano A Pequena Morte, de Josh Lawson, lançado em 2014. Ainda que o roteiro seja o mesmo, as variações culturais e as liberdades criativas dos dois diretores garantem a atualização. A versão espanhola, dirigida e também contracenada por Paco León carrega Madrid e uma visão quase de contos de fadas para adultos, eliminando alguns absurdos do anterior (como o ótimo personagem que se muda para a vizinhança dos demais e é um ex criminoso sexual que parece não assustar ninguém) e adicionando estranhezas. Os fetiches são tratados de forma mais gráfica, mas nada ultrapassa qualquer barreira séria, à exceção do casal em que o homem dopa a esposa. De resto, é como o original, uma pincelada sobre alguns fetiches e como os cinco casais de relacionam, aprendem a conhecer e conviver com seus desejos.

O filme deste ano, entretanto, poderia ir além. Casais de classe média, brancos, heterossexuais não causariam danos com seus fetiches suaves – é uma comédia romântica com alguma pimenta aliviada pelo riso – mas o casal em que a mulher está em situação vulnerável cria o problema. É estranho que se precise desenhar, explicar que estas representações como comédia para além da crítica, frente à frequência que abusos são cometidos contra mulheres são de uma gravidade tal, que não cabem produções cinematográficas de qualquer natureza tratarem do assunto sem uma posição que condene o abuso. Ainda que seja um fetiche, é unilateral e a mulher não tem conhecimento do que lhe acontece. As comédias mordazes, irônicas e satíricas são mais do que bem vindas e são raras as que conseguem manter diálogos inteligentes e ácidos como se espera delas, mas que não se confunda com a reprodução de cenas impróprias – não por pudor, mas por cuidado, para dizer o mínimo – que se perde no pensamento crítico ou sensato – de situações que desfavorecem a mulher – especialmente sexualmente.

O restante do longa corre tranquilo, sem grandes ressalvas, mas talvez o mais interessante de se avaliar seja isso mesmo, o ‘o que não fazer’ quando o fetiche envolve abuso, maus tratos aos animais, ou qualquer situação que envolva prejuízo a alguém alheio a esta condição ou ameaça. A fotografia que puxa para os tons pasteis reforça o efeito de fábula, também presente nas atuações com a alta carga de ingenuidade nas performances. Tudo é exagerado e faz parte da trama, é coerente com o que se conta e é uma comédia de verão.

As melhores partes de Kiki: Os Segredos do Desejo estão na vinheta de abertura, sensual, provocante, interessante e nas cenas com a personagem deficiente auditiva – brilhante. O resto é como o filme australiano com alguma latinidade e calor para esquentar os espectadores. Para assistir sem a expectativa de uma grande obra e sem esquecer algumas cenas, para o bem e para o mal, nada além disso.

TRAILER:

FOTOS:


FICHA TÉCNICA:
Título original: Kiki: El Amor se Hace
Direção: Paco León
Elenco: Natalia de Molina, Álex García, Anna Katz, Paco León
Distribuição: Imovision
Data de estreia: qui, 15/06/17
País: Espanha
Gênero: comédia
Ano de produção: 2016
Duração: 102 minutos
Classificação: 16 anos

Tatiana Reuter

Baiana residente no Rio. Produtora na tv, cineasta por formação. Vivo a base de vinho, pimenta e café forte. Escrevo no extraforte.blogspot.com e sou pós-graduada em Cinema Documentário. Programo o ano entre feriados e viagens e trafego entre Beatles e Gonzagão, fotos e livros.
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