Crítica de Filme: A Hora mais Escura

Pedro Lauria

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24 de fevereiro de 2013

Vivemos em tempos escuros.
Já se tornou clichê dizer que a arte é um reflexo da realidade. Porém, isto acontece justamente por se tratar de uma verdade indiscutível. Baseado nessa ideia que faço a afirmativa que abre essa crítica: posso dizer sem medos que o cinema norte-americano ainda tenta responder ao 11/09. Mais de uma década já se passou, mas as cicatrizes ainda não se fecharam.
Basta olharmos os filmes que foram feitos desde então: Fahrenheit 09/11, Tão Forte, tão Perto, Vôo United 93, As Torres Gêmeas… Mas não sejamos simplistas. É necessário incluir também as obras que trataram do assunto indiretamente. Filmes que procuraram no âmago da psique humana (travestidos pela mea culpa dos próprios americanos) motivos para o mal. Foram o caso de projetos como O Cavaleiro das Trevas, Sangue Negro e Onde os Fracos Não tem Vez. O ponto em comum dessas obras não reside somente na temática, mas na forma como ela foi abordada: repleta de pessimismo e/ou tristeza.

A Hora mais Escura debate como nos portamos diante da escuridão


A comédia – a maior válvula de escape do ser humano – foi deixada de lado. Hoje, não existe um Lubistch ou Chaplin para fazer piadas com o nazismo em meio a Segunda Guerra Mundial, com clássicos como Ser ou Não Ser ou O Grande Ditador. Falta um Kubrick e um Dr.Fantástico para tirar sarro da guerra fria em plena crise dos mísseis. Esperamos o surgimento de um novo Altman, para brincar com a Guerra da Coréia, como foi feito em M*A*S*H.
São nesses tempos, onde o drama parece ser a única forma de tratar esse assunto (ainda não superado), que Kathryn Bigelow, uma diretora conhecida até então pelo clássico de sessão da tarde Caçadores de Emoção, ganhou os holofotes. Depois de levar o Oscar por Guerra ao Terror – um estudo sobre o ser humano e a necessidade da guerra – em A Hora Mais Escura ela vai mais fundo. Repetindo a sua parceria com Mark Boal, o roteiro parte da prerrogativa de nos contar sobre a operação que resultou na captura de Osama Bin Laden, para nos mostrar como o medo pode transformar o ser humano em algo medonho.
Pedindo licença, pela última vez, para me utilizar de um clichê – é seguro dizer que A Hora mais Escura se trata da materialização da expressão: “Quando você olha para o abismo, o abismo olha para você”. Não é a toa que o filme se inicia em total escuridão: com a tela preta, ouvimos ligações reais das vítimas dos atentados, em suas tentativas de conseguir ajuda através do 911. E é o desespero dessas pessoas que vai servir de paralelo, durante toda a obra, com o desespero da própria CIA na busca pelo terrorista que idealizou os atentados, durante o período de mais de uma década em que se passa o filme.

Dan é um torturador que insiste em nos lembrar que é humano


Esses pouco mais de dez anos são divididos em três atos distintos, interligados por Maya, personagem de Jessica Chastain, merecidamente indicada ao Oscar pelo papel. O primeiro ato, o mais polêmico, se trata das torturas – aspecto tão criticado e constantemente citado nas críticas a administração Bush. As sessões angustiantes e desumanas de mals tratos são lideradas por Dan, interpretado pelo desconhecido Jason Clarke, que nos dá possivelmente a atuação mais espetacular da película. A ambiguidade de seu personagem, que nos faz sentir um misto de repulsa e simpatia, é vital para o sucesso do filme. É ela que nos dá a tônica para que não encaremos a CIA nem como vilã cruel, nem como salvadora da pátria, mas como um conjunto de humanos perdidos em meio a escuridão.
O segundo ato, que marca o momento em que Maya se torna a voz ativa, sofre de uma pequena queda de ritmo ao mudar da linguagem quase documental, tão marcante em Guerra ao Terror, e que volta com tudo no último ato, para uma espécie de sofisticado thriller político, que debate os bastidores estratégicos da CIA. Tudo nos preparando para o terceiro ato, quando acompanhamos toda a ação que resultaria na morte do terrorista mais procurado do mundo. Aqui, a câmera balançando, os cenários extremamente escuros, e as locações realistas nos transportam para aquele momento fatídico.
E no fim, quando a ação é concluída, é tocante perceber que não existe luz no fim do túnel. Em meio a escuridão total, um personagem chora. Era o fim de uma caçada… mas não de suas consequências.
Vivemos em tempos escuros.
 

Acabar com aquilo que causou a escuridão, não é sinônimo de acabar com ela


BEM NA FITA: Personagens complexos, repletos de ambiguidades morais; Cenas repletas de suspense; Roteiro polêmico e inteligente
QUEIMOU O FILME: Queda de ritmo no segundo ato; Duração demasiadamente longa
FICHA TÉCNICA:
Diretor: Kathryn Bigelow
Elenco: Jessica Chastain, Jason Clarke, Joel Edgerton, Chris Pratt e Mark Strong
Produção: Kathryn Bigelow, Mark Boal e Megal Ellison
Roteiro: Mark Boal
Fotografia: Greig Fraser
Trilha Sonora: Alexandre Desplat
Duração: 157 min.
Ano: 2012
País: EUA

Pedro Lauria

Em 2050 será conhecido como o maior roteirista e diretor de todos os tempos. Por enquanto, é só um jovem com o objetivo de ganhar o Oscar, a Palma de Ouro e o MTV Movie Awards pelo mesmo filme.
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