Crítica de Filme: “Mama”

Pedro Lauria

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4 de abril de 2013

Mama, just killed a man
Put a gun against his head
Pulled my trigger, now he’s dead
Mama, life had just begun
But now I’ve gone and thrown it all away
Mama pode não começar com a icônica música do Queen, mas é logo em seu início que a obra nos dá uma informação essencial para que possamos apreciá-la: letreiros escritos a mão dizem “Once Upon a Time” (Era uma vez…). Isso porque Mama se trata de uma fábula de horror no melhor estilo O Orfanato e O Labirinto do Fauno, porém, que por pregar mais sustos que as outras duas obras – também com a participação de Guilhermo Del Toro (como produtor e diretor, reespectivamente) – pode trazer uma falsa aura de superficialidade.
Isso porque, ao contrário dos outros filmes listados, Mama começa de forma aterradora. Um homem, após matar sua esposa, sequestra suas duas filhas, porém, um acidente de carro o obriga a se esconder em uma cabana no meio de uma floresta nevada. Com o desespero tomando conta, ele resolve matar as garotas, entretanto, tal ação não se concretiza, pois ele é impedido (adivinha como?) por uma entidade de cabelos esvoaçantes.
O filme salta cinco anos. Somos apresentados a Lucas, o irmão gêmeo do homem enlouqecido (interpretado, confusamente, pelo mesmo ator). É quando descobrimos que as crianças nunca mais foram achadas, o que não satisfaz Lucas, que continua pagando mensalmente (apesar de seu trabalho mal remunerado como desenhista) um grupo de busca. Eles acham as crianças em um estado deplorável, agindo como verdadeiras selvagens. O protagonista é então informado de que a única forma de ficar com elas é se mudando para uma casa (que não é mal assombrada, não se preocupem), financiada por um instituto psiquiatríco. O desenhista então se muda, junto com sua namorada rockeira “que não quer engravidar nem por um cacete”, Annabel (Jessica Chastain). A partir daí é possível prever o que vai acontecer: enquanto a personagem de Chastain vai ganhando afeto pelas crianças, a entidade que cuidou delas durante esses 5 anos (chamada de Mama) começa a disputar pelo amor das garotas. Maternidade, crianças e filmes de terror? Guillermo Del Toro achou um nicho.

Uma família composta de um Regicida, uma Lisbeth "wanna be" e duas crianças que tem uma babá fantasmagórica. E você arrumando pinimba com a adoção por casais homossexuais.

Uma família composta de um Regicida, uma Lisbeth “wanna be” e duas crianças que tem uma babá fantasmagórica. E você arrumando pinimba com a adoção por casais homossexuais.


Dirigido pelo estreante Andrés Muschietti (baseado em um curta de 3 minutos, feito por ele), Mama tem algumas fraquezas que provavelmente não incomodarão as audiências menos exigentes. Falo dos clichês (ou horror troops) de enredo (personagens que vão para morte certa, ao inventar de fazer explorações solitárias em lugares sinistros; armários que escondem fantasmas) e de linguagem (sustos baratos com aumentos repentinosde som; trilhas sonoras dramáticas em momentos mais sensíveis). Mas sejamos justos – clichês cafonas, porém efetivos.
Entretanto, são muitos os fatores que tiram essa obra da mediocridade. Começando pela excelente fotografia, cuja tonalidade das cenas variam de acordo com o “astral” dos personagens (as vezes de forma exagerada, quase didática) – então, se em um momento vemos a cabana que dá início a trama, em tons frios, indicando o horror familiar que ali se dá, logo depois, vemos o mesmo lugar tingido por cores quentes, quando as crianças são resgatadas. O trabalho de sombras também é excelente, chamando atenção para dois momentos: um, bem óbvio, quando uma das garotas, conversando com o psiquiatra tem seu olhos envoltos em sombra; e outro, bem sutil e eficaz, quando as irmãs descem pelas escadas da casa (o fantasma está no andar debaixo) e passam por um breve arco de sombra, indicando uma passagem para a escuridão.
Toda beleza estética (o filme é lindíssimo) que a fotografia traz pra obra, é complementada pela preocupação do diretor em criar planos bonitos e bem arrumados, como se tratasse mesmo de ilustrações de livros infantis, onde até brinquedos esparramados pelo chão criam uma certa harmonia. A mão do diretor para enquadramentos, aliás, chama a atenção em dois momentos: o primeiro, fazendo uma referência a cena clássica de Marnie, Confissões de uma Ladra de Hitchcock, onde no mesmo quadro acompanhamos ações em dois cômodos diferentes para gerar suspense. Já o segundo, se trata de um bonito plano parado (raridade, uma vez que Andrés parece ser amante dos movimentos, mesmo que imperceptíveis, de câmera) onde Annabel abraça uma das garotas, enquanto, em segundo plano, uma pintura de uma nuvem negra, parece pairar sobre a cabeça da rockeira – prevendo o destino tempestuoso que lhe aguarda.
Um bom elemento cinematográfico, sempre cumpre pelo menos duas funções. A camisa no caso - estabelece o estilo da personagem, e faz uma inferência macabra ao seu destino.

Um bom elemento cinematográfico sempre cumpre pelo menos duas funções. A camisa no caso – estabelece o estilo da personagem, e faz uma inferência macabra ao seu destino.


Aliás, é preciso elogiar também as atuações – excelentes. Tudo bem que isso já era de se esperar em um filme protagonizado por dois grandes atores, mas é a veracidade passada pelas duas crianças, que consegue vender o filme e torná-lo bem sucedido para contar sua história. Isso também é ajudado pelo inteligente roteiro, que cria em Annabel uma excelente personagem feminina, que consegue superar as dificuldades, sem ir de encontro a sua personalidade – e por isso mesmo, nos fazendo acreditar em sua transformação. Só faltou mesmo um pouco mais de desenvolvimento para as duas garotas, cujo afeto desenvolvido pela personagem de Annabel, parece compreensível, porém repentino.
O final da obra, por sua vez, resume bem seus méritos e problemas: um misto de ousadia e cafonice, baseado em certa “incoerência fantasmagórica” (evitando cair em spoilers). Explico. Possivelmente empolgado pela sua primeira oportunidade no cinema, é possível ver alguns defeitos de “mão pesada” (quando fica evidente o trabalho do diretor) – principalmente quando apela para intervenções gráficas, como ao contar a história do espírito. Além disso, não seria prejudicial, economizar um pouco mais no monstro, que apesar de assustador, tem um design que pode soar ridículo para alguns, e não é feito com os melhores dos efeitos especiais. Talvez, com um pouco mais de experiência, Andrés poderia transformar Mama em um novo clássico do gênero.
No fim, Mama é um bom filme – que varia entre o genial e o cafona – que entrega uma história bonita e elementos muito bem pensados, que irá agradar espectadores que só estão atrás sustos, apreciadores de suspense e também, aqueles que gostam de um bom filme. Mais um representante bem sucedido da escola de Del Toro, que parece começar a trilhar um subgênero próprio: “a fábula de horror”. Será que os filmes de terror, filmados por diretor de língua latina, serão os sucessores do terror oriental que inundou os cinemas no começo do século? Se depender das obras que vêm sendo mostradas, eu torço para que seja realidade.
Tomara que sim.
BEM NA FITA: Protagonista feminina forte; Boas atuações infantis; Clímax corajoso; Bons sustos e cenas de suspense; Planos belíssimos
QUEIMOU O FILME: Fotografia “didática”; Clichês de enredo e linguagem; Certas cafonices; Efeitos especiais um pouco datados; Fantasma incoerente
FICHA TÉCNICA:
Diretor: Andrés Muschietti
Elenco: Jessica Chastain, Nikolaj Coster-Waldau, Megan Charpentier, Isabelle Nelísse, Daniel Kash, Javier Botet
Produção: Guillermo Del Toro
Roteiro: Neil Cross, Andrés e Barbara Muschietti
Fotografia: Antonio Riestra
Montador: Michele Conroy

Pedro Lauria

Em 2050 será conhecido como o maior roteirista e diretor de todos os tempos. Por enquanto, é só um jovem com o objetivo de ganhar o Oscar, a Palma de Ouro e o MTV Movie Awards pelo mesmo filme.
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