Crítica de Filme | Ouro, Suor e Lágrimas

Blah Cultural

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4 de agosto de 2015

Há um ano dos Jogos Olímpicos de 2016, evento que será realizado na cidade do Rio de Janeiro, nada como um documentário que aborda uma das nossas principais paixões e mais vencedores modalidades esportivas do Brasil: o voleibol.

Desde a geração dirigida por Bebeto de Freitas e liderada por Bernard, Bernardinho, Montanaro, Dal Zotto, William, entre outros, que conquistou a primeira medalha de prata da modalidade nas Olimpíadas de Los Angeles, disputada em 1984, o brasileiro passou  a ver o esporte com outros olhos. A mesma turma participou ainda de um jogo histórico contra a URSS disputado em pleno Maracanã, um ano antes, que ostenta até hoje o recorde de público para um esporte Olímpico (fora o futebol): 95.887 pagantes. Ali era a prova viva de que o vôlei havia chegado para ficar. O ouro olímpico em Barcelona 1992 só colocou o esporte em outro patamar. José Roberto Guimarães, Marcelo Negrão, Giovane, Maurício, Tande, Paulão, Carlão, Pampa, Amauri e companhia entraram de vez no coração dos torcedores brasileiros.

No feminino, o primeiro ouro veio apenas 16 anos depois, mais precisamente nos Jogos Olímpicos de Pequim, disputados em 2008. Depois de dois bronzes seguidos em 1996 e 2000, com nomes históricos como Leila, Virna, Márcia Fu, Fernanda Venturini, Ana Paula, Hilma e Ida, e disputas épicas com Cuba, finalmente veio a consagração na China. Paula Pequeno, Sheilla, Walewska, Fabiana, Mari, Fofão, Fabi, Jaqueline, entre outras, ficaram marcadas para sempre na história do voleibol feminino, novamente lideradas pelo brilhante José Roberto Guimarães.

E com essas credenciais, Ouro, Suor e Lágrimas vem lembrar uma parte da história desse nosso querido esporte, considerado hoje o segundo mais popular do país, atrás apenas do futebol. O BLAH CULTURAL não poderia deixar isso passar batido e enviou logo dois exigentes críticos para a exibição do documentário para os jornalistas. Confira abaixo as críticas de Aline Khouri e Bruno Giacobbo, assista ao filme e exponha sua opinião!

José Roberto Guimarães: o primeiro ouro, tanto no masculino quanto no feminino

“GIBA NELES!”, por Aline Khouri

“Para o brasileiro só vale ouro”, afirma Fabi ex-líbero da seleção brasileira de vôlei. Quem acompanhou os campeonatos recentes de vôlei de quadra pôde ver que a seleção feminina conquistou medalha de bronze no Grand Prix e a prata nos Jogos Pan Americanos. Já a seleção masculina conquistou a prata no Pan-Americano, mas não chegou à disputa pelo ouro. Como sediou a fase final da Liga Mundial de Vôlei, o Brasil já estava classificado, mas foi na semifinal, enquanto disputava com a França, que a eliminação ocorreu. Mais uma vez, com exceção da Liga Mundial, o Brasil esteve no pódio (fora os resultados positivos no vôlei de praia) e, por incrível que pareça, mais uma vez prevalece uma mentalidade – tanto por parte da torcida como por parte de alguns atletas – que considera esses resultados insuficientes e até as desmerece.

No documentário Ouro, Suor e Lágrimas, a frase de Fabi sintetiza um pensamento perigoso, pois, ao mesmo tempo em que impulsiona a conquista de melhores resultados praticamente desconsidera outras medalhas ou posições que não estejam diretamente ligadas ao ouro ou ao pódio. Não existe essa mensagem explícita no documentário, mas quem assiste aos jogos, às entrevistas com as equipes técnicas e com os atletas e vê a reação dos torcedores sabe que Fabi tem certa razão. Em Ouro, suor e lágrimas, dirigido por Helena Sroulevich, o foco é na década mais vitoriosa do vôlei brasileiro, com foco em meados dos anos 2000. Há filmagens de treinos realizados tanto pela seleção masculina como feminina, além de entrevistas e imagens de jogos disputados pelos comandados por Bernardo Rezende (o Bernardinho) e pelas comandadas de José Roberto Guimarães.

André Nascimento, Dante, Rodrigão, Gustavo, Giba – nomes que deixaram saudades nos torcedores – são alguns dos atletas que aparecem no longa. Até mesmo a famosa expressão – que virou uma espécie de bordão – “Giba neles!” está lá nas imagens e áudios recuperados. Os títulos ganhos por essa geração mostram como os técnicos e os atletas elevaram o vôlei brasileiro a um patamar de primeira classe e mantiveram uma estabilidade inédita nesse esporte. Nesse sentido, o Brasil tornou-se o país a ser batido.

Bernardinho: carreira vencedora

Bernardinho: carreira vencedora

Os jogadores não se abrem tanto em relação a suas vidas pessoais, mas Giba se emociona ao contar sobre uma vez quando estava na Coreia, longe de sua filha e ela disse que só estava conversando com o pai porque foi obrigada pois o fato de ele estar longe lhe doía muito. O técnico Bernardinho frisa que esse é um dos preços pagos por atletas que competem em alto nível, mas claro que – além da distância da família e amigos – existem tantos outros: são treinos exaustivos, dores, brigas com a equipe, pressão etc. Também são abordados pontos polêmicos dentro do documentário como o corte do levantador Ricardinho antes dos jogos Pan Americanos de 2007 e, consequentemente, a tumultuada relação de Ricardinho com  Bernardinho – acusado de nepotismo ao convocar seu filho Bruno como levantador – que repercutiu em vários veículos de imprensa. Outra questão refere-se ao distanciamento de Bernardinho e do atual técnico da seleção feminina José Roberto Guimarães que, segundo ambos, não existe mais.

A responsabilidade de vestir a camisa de uma seleção é enorme. Se essa seleção é alguma de vôlei do Brasil, o peso da camisa é ainda mais evidente tanto para os atletas atuais como os futuros jogadores. O Brasil, chamado por muitos de “o país do futebol’’, acostumou-se à excelência no vôlei. Não apenas o time, como seus torcedores e a imprensa. Prevalece o apoio quando se está no primeiro lugar do pódio, mas, quando isso não acontece , basta dar uma olhada nas notícias para notar que até mesmo a mídia especializada faz comentários infelizes e desmotivadores. No documentário, surgem imagens e textos de notícias antigas que cumpriam esse papel e hoje é clara a insatisfação com as colocações do vôlei brasileiro. É preciso lembrar que as seleções estão em fase de renovação e que dividiram seus times (masculino e feminino) para o Pan, Grand Prix e Liga Mundial. Independente disso, o documentário é muito prazeroso de assistir e pode até provocar algumas lágrimas nos fãs e saudades de ouvir a torcida: “Giba neles!”

De positivo, Ouro, Suor e Lágrimas narra a história de forma equilibrada, mesclando treinos, depoimentos e arquivos recuperados. Já como ponto negativo, a trilha sonora é um pouco repetitiva e faz falta uma sistematização mais completa das conquistas das seleções nesse período do documentário.

"Giba neles!"

“Giba neles!”

“CRÔNICA EMOCIONANTE DE UMA PAIXÃO NACIONAL”, por Bruno Giacobbo

Com a conquista das Copas do Mundo de 1958, 1962 e 1970, o surgimento de craques como Pelé, Garrincha e Didi, o Brasil se consolidou como o “País do Futebol”. Aqui se jogava o mais vitorioso e vistoso futebol do mundo. No coração tupiniquim não havia espaço para outros esportes. Nem os títulos mundiais do basquete ou as glórias de Maria Esther Bueno, na grama de Wimbledon, tudo na mesma época, podiam competir com esta paixão. Em suas crônicas, Nelson Rodrigues, um exímio conhecedor da alma do brasileiro, cunhou a expressão ‘complexo de vira-lata’ para explicar o sentimento de inferioridade que, às vezes, nos acometia diante dos gringos. Através do glorioso esporte bretão, finalmente, conseguimos provar que éramos melhores do que eles em alguma coisa. Trinta anos se passaram, as glórias futebolísticas continuaram se sucedendo, mas não havia mais a certeza de nossa superioridade absoluta.

Em 2001, quando Bernardinho assumiu o comando da seleção masculina de vôlei, este já era um esporte popular. Muito praticado nas escolas, havia tomado do basquete a condição de número dois nos corações brasileiros, em parte devido à chamada ‘Geração de Prata’, vice-campeã olímpica em Los Angeles, 1984, e, principalmente, graças à medalha de ouro nas Olimpíadas de Barcelona, em 1992. Contudo, ainda não era uma paixão arrebatadora, tal qual acontecera com o futebol. Ainda, pois sob o comando do novo treinador, o voleibol brasileiro conquistou, até 2012, 26 títulos e se tornou hegemônico, isto para não empregar a palavra imbatível. Na esteira desta infinidade de taças, uma legião de jovens que não teve a chance de ver Pelé, Garrincha e Didi jogarem, agora, podia afirmar ter visto Giba, Ricardinho e Gustavo.  Se apaixonar, assim como vencer, não era mais uma questão de quando, mas de como. São os bastidores desta paixão que a cineasta Helena Sroulevich mostra no documentário Ouro, Suor e Lágrimas.

Emoção das meninas na vitória

Emoção das meninas na vitória

Após muita insistência, a diretora conseguiu a permissão da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) para participar do dia a dia e filmar a preparação para algumas competições, no centro de treinamento de Saquarema. E a ‘pesquisa de campo’ não se resumiu apenas aos meninos, ela conviveu, também, com as meninas do técnico Zé Roberto. Desta forma, se tornou cúmplice das alegrias e das tristezas, das vitórias e das derrotas, ainda que escassas, destes dois times. Testemunhou os últimos títulos de uma geração dourada e o expurgo de mais um ‘complexo de vira-lata’, o da equipe feminina diante das gigantescas russas, culminando na conquista de dois ouros olímpicos em Pequim, 2008, e Londres, 2012. Com as imagens captadas neste convívio íntimo, mais os depoimentos de jogadores e comissão técnica, o filme de Helena é bastante eficiente em sua proposta narrativa. As cenas de arquivo dos principais momentos vividos pelas seleções, algo em torno de 30%, complementam esta mistura que corre o risco de ser considerada maniqueísta e manipuladora por dialogar diretamente com a emoção do público.

A cineasta não tem problema nenhum em revelar que o documentário é coisa de fã. Esta foi sua grande motivação. A paixão pelo vôlei está no sangue da família Sroulevich. Seu pai, um produtor cinematográfico que infartou enquanto trabalhava, acordava de madrugada para ver o Brasil jogar e incutiu este amor em todos na sua casa. Quando decidiu seguir os passos dele, Helena não teve dúvida em escolher como tema do primeiro trabalho um assunto que conhecia profundamente. E talvez seja este olhar de torcedor, e não de profissional, que a levou a cometer o único pecado de toda a obra. Preocupada em lançar um olhar de admiração sobre os ídolos, ela desperdiçou a chance de esmiuçar dois assuntos-tabus: o mal explicado corte do levantador Ricardinho, às vésperas do Jogos Pan-Americanos do Rio, em 2007, e o conturbado relacionamento entre os comandantes das duas seleções, Bernardinho e Zé Roberto.

A comemoração tradicional dos campeões

A comemoração tradicional dos campeões

Ouro, Suor e Lágrimas é uma crônica emocionante de uma paixão nacional. Feito para o cinema, poderia muito bem ter sido produzido como um especial para a televisão, seu formato permite esta dedução. É, inicialmente, mais convidativo aos fãs já consolidados do esporte. No entanto, se ao longo da ultima década você esteve em um retiro espiritual no Nepal e não sabe que Escadinha deixou de ser o apelido apenas de um bandido para identificar o camisa dez do Brasil, este documentário mudará sua forma de ver o voleibol.

Desliguem os celulares e ótima diversão.


FICHA TÉCNICA:
Título original: Ouro, Suor e Lágrimas
Direção: Helena Sroulevich
Ano de produção: 2015
País: Brasil
Gênero: Documentário
Duração: 92 min.
Classificação indicativa: 10 anos
Distribuição: Lagoa Filmes
Estreia: 06/08/2015

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