Crítica de Filme | Sangue Azul [VISÕES ANTAGÔNICAS]

Laura Udokay

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3 de junho de 2015

Vencedor de três prêmios no Festival do Rio e dois em Paulínia no ano passado, Sangue Azul finalmente estreia em circuito nacional e chega cercado de expectativas. O filme brasileiro, no entanto, dividiu opiniões no BLAH CULTURAL.

Nossos críticos Bruno Giacobbo e Laura Udokay foram conferir o premiado longa e tiveram visões antagônicas sobre o longa-metragem. Entre divergentes opiniões, uma certeza: a fotografia é belíssima. O roteiro e o desenrolar da película, no entanto, geraram essas diferenças nos textos, embora nenhum dos dois classifique a produção como sofrível, ou algo do gênero.

Bom, então, sem mais blah, blah, blah, confira abaixo as duas versões, assista ao filme e compartilhe sua opinião conosco.

“POUCAS COISAS NO CINEMA ATUAL SÃO MAIS BELAS DO QUE AS IMAGENS DE SANGUE AZUL”, por Bruno Giacobbo

O cineasta Lírio Ferreira é um profissional intermitente no que diz respeito à realização de longas-metragens de ficção. Nas últimas duas décadas foram apenas três: o cultuado “Baile Perfumado”, em 1996, filme que dirigiu em conjunto com Paulo Caldas e é considerado o marco da retomada do cinema pernambucano, “Árido Movie”, em 2005, e, agora, o premiadíssimo Sangue Azul, vencedor de três prêmios no Festival do Rio e dois em Paulínia no ano passado. Neste novo trabalho, o foco está na história de Zolah (Daniel de Oliveira), um homem bala que volta para casa, em Fernando de Noronha, com o circo em que se apresenta, depois de muitos anos longe. Mas existe outro elemento, intangível, repleto de intermitências e tão importante quanto qualquer outro personagem, a ponto de se tornar quase que um co-protagonista: o tempo.

Na terra natal de Zolah ou Pedro, seu nome de batismo, o tempo parece não passar. Ou passar de forma mais vagarosa do que no restante do mundo. Em uma ilha repleta de praias paradisíacas e cercada por um mar de um azul cristalino, seus habitantes levam uma vida tranquila. No entanto, esta rotina e o jeito como o tempo parece transcorrer serão chocalhadas pela chegada do circo Netuno e toda sua trupe. Além do protagonista, fazem parte dela o mestre de picadeiro e ilusionista, Kaleb (Paulo César Pereio), o homem mais forte do mundo, Inox (Milhem Cortaz), uma dançarina estonteante, Teorema (Laura Ramos) e o atirador de facas, Gaetan (Matheus Nachtergaele). As noites de pasmaceira darão lugar à agitação dos espetáculos circenses e muitas bebedeiras.

A chegada de Pedro, mais do que a do circo em si, mexerá também com a vida dos nativos. Apesar de ter conhecido o mundo e visto coisas com as quais jamais sonharia se tivesse ficado em Fernando de Noronha, ele tem questões como um trauma de infância relacionado ao mar e uma paixão mal resolvida que precisam ser solucionadas, complexas de tal maneira que nem mesmo o tempo poderia dirimi-las sozinhas. E estas questões envolvem justamente algumas destas pessoas, entre elas sua mãe Rosa (Sandra Corveloni), a irmã Raquel (Carolina Abras) e, por consequência, o noivo desta, Cangulo (Rômulo Braga). Conscientemente, intermitentemente e levando o tempo que for necessário, ele precisará acertar as contas com o passado.

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Para contar esta história, Lírio Ferreira a dividiu em cinco capítulos: O Homem Bala, Insônia, Infância, Angústia e A Lenda do Pecado. Assim, de forma didática apresenta trama, personagens e questões que norteiam a vida do protagonista. As atuações esmeradas do excelente Daniel de Oliveira e da encantadora Caroline Abras; além da química latente entre eles, servem para temperar tal didatismo e salvar o filme de um conservadorismo que poderia tê-lo engessado. Já a exuberante paisagem insular, conjugada com a fotografia de Mauro Pinheiro Junior, fará com que o público fique de olhos pregados na telona, pois poucas coisas no cinema atual são mais belas do que as imagens de Sangue Azul.

Em determinado momento, uma personagem diz: “Às vezes, o passado volta para cobrar fiado”. A sabedoria popular que se aplica a uma nuance de história poderia muito bem ser usada com o próprio cineasta, uma vez que, depois de tanto tempo sem realizar longas de ficção e fazendo apenas documentários, ele poderia ter perdido a mão para o gênero. Só que isto não aconteceu. O único senão desta obra são algumas pontas deixadas, propositalmente, soltas. Aqui, e somente aqui, talvez, ele poderia ter sido um pouco mais didático e conservador.

Desliguem os celulares e ótima diversão.

“FILME TERMINA COMO ALGO QUE NÃO ENCONTROU”por Laura Udokay

Um filme de extremos, desde as belas paisagens praianas de Fernando de Noronha à luxúria explícita e quase tão inesperada quanto um espirro. A trama gira em torno de um grupo de artistas circenses itinerante, tendo como protagonista: Pedro (Daniel de Oliveira), o “homem-bala”.

Em Sangue Azul, longa dirigido por Lírio Ferreira, a trama é dividida em capítulos intitulados. A linguagem sequência é lírica e motivada pelo estilo de vida errante dos personagens. Pedro foi entregue à Kaleb (Paulo Cesar Pereio), ilusionista e dono do circo Netuno, cujo emprega uma turma de pessoas que trazem uma bagagem psicológica muito movimentada, a começar pelo próprio Kaleb. Ele mantém uma relação homossexual com um de seus artistas, Inox (Milhem Cortaz) o “homem mais forte do mundo”. O fato de seu parceiro passivo ser uma espécie de exemplo de masculinidade apenas oferece mais conflito narrativo entre o casal.

O filme é erotizado sem nenhum acanhamento. Esbarra em temas, por vezes, delicados, como a relação entre Pedro e Raquel (Caroline Abras), sua irmã separada na infância e, com quem engata em um romance incestuoso. Porém, a situação de atração recíproca é percebida pela mãe, Rosa (Sandra Corveloni) ainda quando crianças. O que explica o fato de Pedro ter sido entregue para Kaleb. Por essa razão, a relação materna é recheada de ressentimentos e questionamentos.

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Raquel é noiva de Cangulo (Rômulo Braga), rapaz incapaz de deixar Fernando de Noronha, pois sua mentalidade está fortemente arraigada no modo de vida litorâneo. Todavia, ele percebe a atração entre Pedro e Raquel. Isso dá início a uma série de infortúnios sentimentais e que passa a balançar o noivado, até então, estável. Em um claro português, abala tanto, mas tanto, que Cangulo, constantemente rejeitado na cama por Raquel, fica ressentido em um nível tal que o torna capaz de trocar de time (e essa é a parte em que sua imaginação liga os pontos).

O grande meteoro que arrebata a vida das personagens é, e tão somente isso, a chegada do circo em Noronha. Pois a estada de todos é bombardeada por acontecimentos que fogem ao controle, como o sumiço de Kaleb (meio voluntário, e talvez nem tanto), o reencontro entre Pedro e sua mãe (ressentida, porém resignada), o atirador de facas, interpretado por Matheus Nachtergaele, cujo jamais errou o alvo até… a namorada de Pedro, Teorema (Laura Ramos), que fica atormentada ao notá-lo tão atraído por Raquel, se entristece a ponto de oferecer o próprio corpo à uma facada.

O desenrolar da história é uma espécie de montanha-russa que arbitra entre a morosidade dramática e a inexistência de explicação para alguns acontecimentos na Ilha.

Com uma fotografia inspiradora, ora pela natureza tão exuberante, ora pelo realismo humanizado dos artistas sofridos do circo, Sangue Azul é mais merecedor do título: Sangue Quente. Pois o cálido roteiro de Lírio Ferreira, Fellipe Barbosa e Sérgio Oliveira é, certamente, uma “porrada” de cenas tão intensas quanto delicadas. Um filme que ainda oferece reflexão, como a superação de certos temores aquáticos de Pedro, e a lição motivacional em voz-off de Kaleb: “A certeza é o maior ato de covardia. Somente o risco e a dúvida me colocam em movimento”.

Em suma, o filme termina como algo que não encontrou (totalmente): um epílogo.

FICHA TÉCNICA:

Diretor: Lírio Ferreira
Produtor: Renato Ciasca
Roteiro: Lírio Ferreira, Fellipe Barbosa, Sérgio Oliveira
Produção Executiva: Renato Ciasca, Mônica Lapa, Julia Bock, Fred Lasmar e Tuca Noronha
Direção de Produção: Renato Rondon
Fotografia: Mauro Pinheiro Jr
Direção de Arte: Juliana Carapeba
Montagem: Mair Tavares e Tina Saphira
Música: Pupillo
Produção: Lírio Ferreira, Beto Brant e Renato Ciasca
Elenco: Daniel de Oliveira, Caroline Abras, Sandra Coverloni, Rômulo Braga, Matheus Nachtergaele, Milhem Cortaz, Laura Ramos, Lívia Falcão, Servílio de Holanda

Laura Udokay

Laura Udokay é dessas garotas que tiveram uma infância de “garoto”. Skate, fliperama e rock. Cresceu no universo dos desenhos e livros. Hoje, faz as duas coisas: desenha e escreve. É autora de “Martini, o Pequeno Demônio”, trilogia que terá o segundo volume publicado em breve
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