Crítica de Teatro | Beije Minha Lápide

Antonio de Medeiros

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19 de outubro de 2014

É sempre com imenso prazer que vou às peças de Marco Nanini, principalmente por saber que encontrarei um ator afeito aos riscos e com um tempo de comédia incomparável. Em Beije minha lápide, nova peça do prolixo e talentoso Jô Bilac, não foi diferente.

Nanini interpreta Bala, um escritor aficionado por Oscar Wilde, que é preso por violar uma proteção de vidro ao beijar a lápide do famoso autor de “O retrato de Dorian Gray”. Jô Bilac parte dessa curiosidade, realmente, essa proteção foi colocada para impedir que os beijos danificassem a escultura que enfeita a sepultura do autor irlandês no famoso cemitério Père-Lachaise em Paris. Segundo especialistas em restauração, cada limpeza, realizada para retirar as marcas de batom, causa erosão na bela escultura alada.

beije-lapide01Para ajudar a contar essa história, cuja premissa poderia ser dita como as barreiras ao afeto impostas pela sociedade, temos outros personagens, a guia de turismo do cemitério e filha de Bala, a advogada e o carcereiro, interpretados pelos atores da Cia de Teatro Independente.  A boa química entre Carolina Pismel e Júlia Marini em outra peça de Bilac, “Cucaracha”, se repete com sucesso. Paulo Verlings também realiza um ótimo trabalho ao interpretar o carcereiro que se deixa seduzir por Bala, com momentos bem divertidos.

A cenografia e direção de arte de Daniela Thomas, um imenso cubo transparente, que serve de cela para Bala tem um efeito bastante interessante. Ao mesmo tempo em que é uma metáfora do que a sociedade faz com os diferentes, os separando e os isolando, essa prisão neste imenso cubo remete ao isolamento da lápide de Wilde, que, por sua vez, remete ao isolamento real de Oscar Wilde ao fim da vida sendo renegado por uma sociedade vitoriana que o admirava, mas que por causa do preconceito o rejeitou.

Estaríamos muito longe dessa sociedade preconceituosa da época de Wilde? A peça deixa claro que não. Apesar dos avanços legais, como o casamento igualitário, casos de assassinatos de homossexuais ainda estão em voga, assim como a cura gay (de qual doença?), e a linha de pensamento política que resume os homossexuais a aparelhos excretores, tudo isso nunca esteve tão em alta. Daí, a atualidade da peça.

Vbeije-lapide02oltando ao imenso cubo que impede o contato de Bala com os outros e simboliza as barreiras ao afeto, talvez ele tenha criado um desafio ao trabalho da direção de Bel Garcia, principalmente para acomodar as cenas entre os outros personagens, quando Nanini não está em cena. Acredito que a diretora conseguiu contornar essa dificuldade, literalmente, e obteve ótimos rendimentos de todos os personagens.

Outros destaques são o videografismo de Julio Parente, cujo efeito multiplica a solidão do preso e recria a sensação de confinamento e claustrofobia. Já a luz de Beto Bruel atinge seu melhor resultado ao dar certa transparência e transcendência ao personagem de Nanini.

Jô Bilac retoma diversas citações e máximas de Oscar Wilde e acrescenta seu humor próprio e diverte o público. Acerta ao fazer associações as mais criativas possíveis e deixar seus personagens sempre predispostos à loucura. Loucura essa indispensável para alcançar novos olhares frente ao mundo e as problemáticas a nossa volta. Salvem os loucos, os que não se rotulam, os que rejeitam o falso conceito de normalidade e repelem a imbecilidade de qualquer forma de preconceito, conforme as palavras do sábio Wilde : “Os loucos, às vezes, se curam, os imbecis nunca”.

 FICHA TÉCNICA

Texto: Jô Bilac
Direção: Bel Garcia
Assistência de Direção: Raquel André
Elenco: Marco Nanini, Paulo Verlings, Carolina Pismel e Júlia Marini
Cenário: Daniela Thomas
Figurinos: Antônio Guedes
Fotografia: Carlos Cabéra
Projeções de vídeo: Júlio Parente
Trilha: Rafael Rocha
Produzido por: Fernando Libonati e Marco Nanini
Gerência de Projetos: Carolina Tavares
Direção de Produção: Leila Maria Moreno

Antonio de Medeiros

Antonio de Medeiros apenas digita os textos entregues pela própria Patty, ou por seu sobrinho Fernandinho, em papeizinhos escritos à mão (cartõezinhos amarelados de fichamento) ou datilografados, às vezes manchados de café ou quase sempre de whiskey. Ela me fez prometer que eu não modificaria nem uma única vírgula. De modo que não me responsabilizo por sua opinião e pitacos. (Antonio De Medeiros é formado em Turismo pela UniRio. Atualmente, é funcionário público. Passou pela CAL e pela Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Ama Cinema, Literatura e Teatro. Sonha em ser escritor. Enquanto escreve peças e um romance, colabora para o site "Blah Cultural")
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