CRÍTICA | Remake de sucesso francês, ‘Inseparáveis’ é um filme sem identidade

Thiago de Mello

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1 de junho de 2017

Quando vejo remakes como Inseparáveis, filme argentino dirigido e roteirizado por Marcos Carnevale, fico indagando: o propósito maior é recontar, à sua própria maneira, a bela história fraternal já relatada na produção francesa “Intocáveis” (escrita e dirigida por Olivier Nakache e Eric Toledano, de 2011)? Ou ele busca apenas refilmá-lo, sem nada de novo para contar, desejando que o sucesso do original se estenda até ele?

“Intocáveis” emocionou plateias ao redor do mundo com uma comédia-dramática biográfica comovente e vibrante, que narra o nascimento e desenvolvimento da amizade entre um milionário tetraplégico e seu humilde assistente. Nakache e Toledano criaram um filme que, mesmo com uma temática que facilmente poderia descambar para o dramalhão, celebra a vida e a amizade.

Enquanto o filme francês possui um objetivo bastante claro, Inseparáveis é um remake cuja existência é nebulosa. Ao entrar na sala de cinema, o público assiste uma refilmagem que se limita a realizar as devidas adaptações da migração de locação e idioma – da França para a Argentina. Dentro dessa realidade, o roteiro de Carnevale apenas se dá ao trabalho de adaptar as novas características geográfica e cultural.

Parte do mérito de “Intocáveis” deve ser dividido com a dupla protagonista, Phillipe (François Cluzet) e Driss (Omar Sy). Os atores conseguiram captar a essência de seus respectivos personagens e a dinâmica do relacionamento, entregando um trabalho com uma química cativante. Isoladamente, cada personagem possui seu valor próprio, mas é quando estão juntos que o filme conquista o público.

Já na adaptação argentina, os personagens perdem o brilho que emanavam no filme original, principalmente Tito (Rodrigo De la Serna), o assistente do tetraplégico Felipe (Oscar Martínez). Tito recebe algumas mudanças baseadas na cultura hermana, que visam – aparentemente – dar um mínimo de identidade à cópia quase literal realizada por Carnevale. Porém, as características que o compõem resultam num personagem indigesto. Tito é arrogante, um tanto machista, explosivo e tagarela. Em suma, irritante. Sua impulsividade, embora seja uma força motriz necessária dentro da narrativa, quase sempre vem acompanhada de alguma dessas qualidades citadas. Assim, em constante evidência, elas jamais permitem que o espectador realmente se afeiçoe com Tito. Rodrigo De la Serna é carismático e se esforça para encontrar um personagem aprazível no meio de tantas idiossincrasias problemáticas, mas não consegue.

A má construção de Tito, não apenas diminui o personagem, como também mina o relacionamento e química entre ele e Felipe. O incômodo que Tito causa não soma valor às atitudes que ele toma em prol de seu chefe. Assim, desde o início da amizade, até a conclusão do longa, o espectador jamais consegue se envolver no relacionamento fraternal dos protagonistas.

Outro problema é a superficialidade dos personagens – e não apenas dos protagonistas. Tito e Felipe nada mais são do que suas descrições básicas: um funcionário impulsivo e um milionário tetraplégico, respectivamente. O roteiro até tenta dotá-los de mais camadas, porém falha ao utilizar coadjuvantes cujos pequenos arcos narrativos são, quase todos, irrelevantes dentro da trama. Há, por exemplo, personagens como a filha de Felipe, Elisa (Rita Pauls), uma adolescente problemática que aparece e desaparece da narrativa aleatoriamente, conduzindo um “caso” amoroso que não soma em nada à história, fica deslocado dentro do longa e sem qualquer sentido. A mesma coisa acontece com o pequeno arco do irmão de Tito, Javi (Joaquín Flammini), que, esporadicamente, é inserido durante a projeção, mas que poderia ser eliminado sem qualquer prejuízo ao material final.

A comédia de Inseparáveis até consegue provocar alguns risos espontâneos, mas somente nas piadas mais ácidas, que brincam com a condição de Felipe. O drama, por outro lado, não obtêm o mesmo êxito, graças aos fracos personagens e uma narrativa rasa e seus pequenos arcos irrelevantes.

O que mais chama a atenção é a falta de personalidade do filme de Carnevale. Se Inseparáveis copia praticamente cada cena e sequência de Intocáveis”, por que ele não consegue reproduzir o mesmo efeito emocional? A resposta, creio, é que o filme argentino não passa de uma transcrição. A convencionalidade está impregnada em cada frame da película, seja na edição monótona, na fotografia límpida ou na trilha sonora fracamente indutiva. Carnevale parece satisfeito em apenas traduzir a obra francesa, ao invés de se inspirar no fato que originou o filme de 2011. O diretor executa uma cópia sem ambição, básica demais, mudando apenas as obrigações geográficas. Ou seja, sem identidade.

Tomara que a versão estadunidense, que será protagonizada por Bryan Cranston e Kevin Hart, se preocupe em adicionar uma qualidade própria à história ao invés de apenas reproduzi-la noutro idioma.

Inseparáveis estreia em 1º de junho.

*CRÍTICA PUBLICADA ORIGINALMENTE NO SITE “O SETE”, PARCEIRO DO BLAH CULTURAL

TRAILER:

FICHA TÉCNICA:

Título original: Inseparables
Direção: Marcos Carnevale
Elenco: Oscar Martinez, Rodrigo de la Serna, Alejandra Flechner
Distribuição: Paris
Data de estreia: qui, 01/06/17
País: Argentina
Gênero: comédia dramática
Ano de produção: 2017
Duração: 108 minutos
Classificação: 14 anos

Thiago de Mello

Jornalista amante de cinema, de rock, de cultura pop e de Bloody Mary. Além de colaborar para o Blah Cultural, é idealizador do osete.com.br.
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