CRÍTICA | ‘Narcos México’ é sobre dois homens e como, depois deles, passamos a ver as drogas

Bruno Giacobbo

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22 de novembro de 2018

As primeiras temporadas de Narcos, principalmente aquelas em que tinham Wagner Moura interpretando o traficante Pablo Escobar, foram um sucesso retumbante. Recentemente, o atual protagonista, Diego Luna, disse, em entrevista, que viu tudo numa sentada só. O que chamamos por aqui de maratonar. E a verdade é que, mesmo com um espanhol meio precário, o brasileiro conseguiu compor o bandido da maneira como os livros e as reportagens da época o retratam: carismático, fanfarrão e desafiador. São jeitos e trejeitos que dizem mais do que mil palavras e levaram o público a simpatizar com ele. Com a saída de cena do líder do Cartel de Medellín, vieram os Cavalheiros de Cali. Mafiosos à moda antiga, homens de honra que gostavam de posar de empresários bem-sucedidos. E o seriado foi se metamorfoseando. A violência gráfica já não era mais o principal chamariz, mas, claro, ela continuava lá, em doses homeopáticas, afinal, ainda estamos falando de grandes criminosos.

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Esta mudança de rumo não agradou a todo mundo, naturalmente. Até porque, muito gente via o seriado por causa do “Robin Hood Paisa”, apelidado dado a Escobar por posar de benfeitor do povo pobre. No entanto, a Netflix seguiu em frente e a quarta temporada (ou a primeira da segunda fase, como o próprio streaming dá a entender pela nomenclatura adotada) aprofundou ainda mais as mudanças que já vinham sendo percebidas. Em Narcos México, há uma relação umbilical entre Miguel Ángel Félix Gallardo e Kiki Camarena, vividos, respectivamente, por Diego Luna e Michael Peña. Para o filósofo Georg Wilhelm Hegel, eles seriam a “tese” e a “antítese” que levam a “síntese”. Assim como os caras que comandavam o Cartel de Cali, eles são homens de família. Casados, com filhos já nascidos ou a caminho, eles acreditam piamente em tudo aquilo que simbolizam: o chefe mafioso, na ideia de que um homem deve tomar para si todas as coisas que ambicionar; o agente da DEA, nas leis.

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No contexto destas crenças de vida, os familiares de ambos são extremamente importantes. As temporadas anteriores deram voz a Tata Escobar (Paulina Gaitán) e a Hermilda Gavíria (Paulina Garcia), esposa e mãe de Pablo; assim como deram aos parentes de outros personagens, mas, aqui, tudo é superlativo e evidenciado. Em um determinada cena, Isabella Bautista (Teresa Ruiz), uma associada de Félix Gallardo, o chama de “último bandido decente” do México, justamente por este resistir as suas investidas amorosas. E, após cada dia de trabalho, o chefão volta para Maria Elvira (Fernanda Urrejola); do mesmo modo que o agente federal americano retorna para os braços de Mika Camarena (Alyssa Diaz). Elas são os suportes que eles precisam e, por isto, partes afetadas pelas consequências da tal relação umbilical supracitada acima. Aliás, estas consequências também são sentidas pela família de gente como Don Neto (Joaquín Cosío) e o Governador Celis (Rodrigo Murray).

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Nos outros anos da série, vimos os narcotraficantes serem implacavelmente perseguidos por homens da lei que transpiravam determinação. Steve Murphy (Boyd Holbrook), Javier Peña (Pedro Pascal), Chris Feistl (Michael Sthal-David) e Daniel Van Ness (Matt Whelan) não pararam para descansar em quanto fizeram o que tinha para ser feito. Só que o fato de ter dois ou mais agentes em função de um mesmo objetivo tirava destas relações o caráter pessoal e, acima de tudo, umbilical. Kiki Camarena (Michael Peña) não trabalha sozinho. Ele tem, ao seu lado, Jaime Kuykendall (Matt Letscher), Butch Sears (Aaron Staton) e Roger Knapp (Lenny Jacobson). Todos imbuídos da mesma missão. No entanto, para Kiki a coisa parece ser pessoal. Talvez porque ele seja mexicano de nascimento. Ou talvez porque não ambicionasse aquele trabalho na cidade de Guadalajara. Contudo, uma vez lá, a necessidade o faz mostrar serviço e o roteiro conseguiu enfatizar bem a ligação e o antagonismo entre os protagonistas.

Esta ligação fica bastante clara em situações espelhadas pelo texto que ocorrem com ambos. De certa forma, os dois são “estrangeiros” distantes de casa, estranhos buscando um lugar ao sol. Félix Gallardo também não é dali. Originário de Sinaloa, ele vai para a grande metrópole em busca de novas oportunidades de negócios para os seus parceiros criminosos. Quando, enfim, conquista quase tudo o que deseja, passa a buscar a aceitação de seus novos pares: políticos tradicionais, burocratas da lei, gente que insiste em lembrá-lo que, apesar do terno importado e da carteira recheada de dinheiro, ele não é um deles. Desta forma, um e outro, mocinho e bandido, deparam-se com situações em que são colocados contra a parede por suas mulheres. Elas não foram responsáveis por aquelas escolhas. Elas apenas os acompanharam como boas parceiras. Acontece que tudo tem um limite e, mais cedo ou mais tarde, estas escolhas cobrarão um preço, às vezes, salgado demais.

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Paralelamente a tudo isto, temos toda a parte de ação que uma obra como esta exige. Foi o que escrevi lá em cima, já não é mais o grande atrativo, mas nem por isto, do roteiro à direção, houve uma atitude desleixada. O time de diretores, comandado pelo colombiano Andrés Baiz e que conta com nomes vindos do cinema, entre eles Alonso Ruizpalacios e Amat Escalante, entrega alguns planos visualmente bastante interessantes e cinematográficos. As cenas de tiroteios, sequestros, explosões, mortes e afins foram bem engendradas. Há uma mistura sutil entre o realismo e o farsesco, principalmente, quando o sangue espirra. Será bastante difícil não agradar o público que está em busca deste tipo de emoções. Ainda mais quando a história possui várias referencias a clássicos do gênero como, por exemplo, “Scarface” (1983), de Brian De Palma, e o retorno especialíssimo de alguns personagens das temporadas anteriores. Aguardem, ansiosos, pelo quinto episódio. Garanto que vocês não se decepcionarão.

Em uma época onde astros do cinema buscam oportunidades na televisão, tal a valorização desta, os protagonistas devem comemorar o que fizeram em Narcos México. Costumeiramente relacionado a papéis cômicos, Michael Peña teve, talvez, a primeira grande chance de mostrar toda a sua veia dramática. Kiki Camarena parece um personagem saído de uma tragédia grega, com o diferencial, óbvio, de que ele é real. E o seu intérprete conseguiu reverberar toda esta dramaticidade. É uma atuação para prêmios na TV e para abrir muitas portas na telona. Já com Diego Luna a história é outra. Admito: o problema era comigo. Ele nunca me convenceu. No entanto, na pele do “El Padrino” da máfia mexicana, apelido que faz clara referência a Don Vito Corleone, finalmente, consegui vê-lo com outros olhos. Temos aqui uma atuação segura, que demonstra sua força nos gestos e na postura. Assim como o verdadeiro Félix Gallardo, o ator é franzino, mas, em cena, impõe respeito a homens bem mais robustos.

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Usando personagens reais e romanceando certos fatos (a linha cronológica da trama é bastante imprecisa), a série deixa bem encaminhada, com as introduções de Amaro Carrillo Fuentes (José Maria Yazpik) e Joaquín “El Chapo” Guzman (Alejandro Edda), narcos reais e que fazem parte do folclore do crime local, pelo menos, mais duas novas temporadas no próprio México. Ou seja: tem por onde puxar, fora um gancho que foi deixado. E é esta mistura entre realidade e romance que faz uma referência, no capítulo final, um rapaz lendo “Metamorfose”, de Franz Kafka, ter ainda mais sentido. Não foi apenas a série que se metamorfoseou. Foi o mundo como um todo. O tráfico de drogas é um mal antigo. O que mudou foi como americanos e mexicanos passaram a encarar este grave problema. E esta virada ocorreu, justamente, a partir da entrada em cena do agente Camarena e de sua curta passagem por Guadalajara. Ela é “síntese” que se origina sempre que a “tese” e a “antítese” se encontram.

Desliguem os celulares e excepcional diversão.

::: TRAILER

https://www.youtube.com/watch?v=VBLcYJ7C4F0

::: FICHA TÉCNICA

Temporada: 4 (1 da 2ª fase)
Elenco: Michael Peña, Diego Luna, Teresa Ruiz, Alyssa Diaz, Joaquín Cosío, Tenoch Huerta
Produção: Netflix
País: Estados Unidos
Ano: 2018

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Everton DuarteAdriano Valente | Giovanna Landucci | Pedro Marco | Alex Rodrigues

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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