CRÍTICA | ‘O Formidável’ merece o trocadilho de um filme formidável

Bruno Giacobbo

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5 de outubro de 2017

Seis anos após encantar o mundo com “O Artista” (2011), trabalho que lhe rendeu o Oscar de melhor diretor, e à procura de um próximo sucesso, Michel Hazanavicius decidiu voltar a falar sobre a Sétima Arte no seu novo filme. Só que, agora, em vez de retratar um determinado período histórico, direcionou suas câmeras para um personagem específico: Jean-Luc Godard. No entanto, quem for esperando mais uma ode de amor, irá se decepcionar. O tributo ao cinema mudo deu lugar a uma narrativa que, simplesmente, desconstrói e retrata de forma bastante ácida um dos maiores ícones da Nouvelle Vague e ídolo de milhares de cinéfilos até hoje. Com roteiro assinado pelo próprio cineasta, O Formidável (Le Redoutable) é uma adaptação do livro “Um Ano Depois”, da atriz e romancista Anne Wiazemsky, ex-mulher do cinebiografado. E, pelo que vemos na telona, o desenlace não terminou nada bem.

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O longa-metragem começa durante as filmagens de “A Chinesa” (1967), um clássico, mas que, na época, teve uma recepção mista da crítica especializada. Com apenas 19 anos, a protagonista Anne (Stacy Martin) se apaixona perdidamente por seu diretor, então, um homem prestes a completar 37 anos. A diferença etária não é uma barreira. Nem o fato dele não ser propriamente bonito. O que a encanta são as ideias, o charme de poder namorar alguém que está operando uma autêntica revolução cinematográfica. É assim que ela o vê: como um cara formidável. É daí e de um submarino militar, sobre o qual eles ouvem falar no rádio, que vem o título desta obra em português. Em francês, há outra razão. Os problemas aparecem um ano depois, quando, em maio de 1968, os estudantes tomam de assalto às ruas de Paris. Em meio à onda de protestos, Godard (Louis Garrel) decide mudar o foco de sua revolução pessoal.

Até aquele momento, ele era um cineasta revolucionário pela forma como dirigia. Dominava o uso dos planos sequências e era capaz de iniciar uma filmagem sem o roteiro concluído, escrevendo cenas de manhã e filmando-as à tarde. Todavia, seus maiores sucessos eram obras comerciais e tidas como alegres pelo público. Adepto dos ideais maoístas, Godard entende que não é mais possível fazer este tipo de cinema. Seu desejo é realizar trabalhos que abordem os problemas do mundo. A partir deste instante, a mudança de personalidade é nítida. O cara charmoso, que gostava de ser diferente dos outros, por quem Anne se apaixonou, já não existe mais. Ele deu lugar a uma pessoa irascível, que briga com os amigos por qualquer motivo, até mesmo temível (o verdadeiro significado do nome do filme e do submarino no original), no mau sentido. Ela, por sua vez, também não consegue esconder mais sua verdadeira natureza e passa a ter desejos, na ótica dele, de ordem burguesa.

Concebido como uma comédia, com o perdão do trocadilho, O Formidável é formidável. Este é um daqueles filmes que as pessoas irão rir de situações absurdas como, por exemplo, os óculos de Godard que insistem em cair e quebrar (não percam a conta) ou de saias justas, que se fossem reais seriam constrangedoras. Destaque para a cena onde o protagonista diz que é melhor uma mulher ser puta do que casada com um idiota. Ato reflexo, ele olha para Anne e esta não esboça reação. A gargalhada é instantânea. Boa parte do ótimo resultado final da película advém da química entre os atores Louis Garrel e Stacy Martin. A caracterização é perfeita, os maneirismos do cineasta devidamente incorporados e ela está tão bela, que parece uma autêntica musa da “Nouvelle Vague”. Muitos são os instantes em que as câmeras do fotógrafo Guillaume Schiffman procuram, fascinadas, as curvas e a nudez pálida dela.

Não dá para encerrar sem falar do realizador Michel Hazanavicius. Seu trabalho de direção, aqui, assim como em “O Artista”, é sensacional. Os mesmos planos sequenciais que ajudaram a fazer a fama do cinebiografado são usados com maestria. Além disto, em dois momentos, ele utiliza as pichações dos muros de Paris e os títulos de alguns livros que são mostrados, para enfatizar o que está acontecendo naquele ponto da história. Contudo, nada supera uma passagem, na mesa da cozinha, onde os protagonistas travam um diálogo aparentemente banal. Acontece que eles não estão sendo francos, logo, embaixo e entre parênteses, há uma legenda dizendo o que de fato os dois gostariam de dizer. Multifuncional, o cineasta é, ainda, corresponsável pela edição desta obra que desagradará àqueles que pensam que ídolos são intocáveis, mas fará a alegria de quem sempre achou Godard um chato e, agora, poderá acrescentar outros adjetivos nada lisonjeiros ao epíteto deste.

Desliguem os celulares e excelente diversão.

*Filme visto no 19º Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro

::: TRAILER

::: FOTOS

::: FICHA TÉCNICA

Título original: Le redoubtable
Direção: Michel Hazanavicius
Elenco: Louis Garrel, Stacy Martin, Bérénice Bejo
Distribuição: Imovision
Data de estreia: qui, 26/10/17
País: França
Gênero: comédia
Ano de produção: 2017
Duração: 107 minutos
Classificação: a definir

Bruno Giacobbo

Um dos últimos românticos, vivo à procura de um lugar chamado Notting Hill, mas começo a desconfiar que ele só existe mesmo nos filmes e na imaginação dos grandes roteiristas. Acredito que o cinema brasileiro é o melhor do mundo e defendo que a Boca do Lixo foi a nossa Nova Hollywood. Apesar das agruras da vida, sou feliz como um italiano quando sabe que terá amor e vinho.
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