CRÍTICA | ‘Palace II: 3 Quartos com Vista para o Mar’
Karinna Adad
|10 de julho de 2019
O ano de 1998 mexeu com o imaginário carioca, em especial, o das famílias residentes do edifício Palace II, localizado na Barra da Tijuca. Imaginado como a concretização de um sonho, desde o início, o edifício parecia suspeito. O primeiro indício aponta para o baixo preço de compra, inferior ao praticado nos imóveis localizados na região. A justificativa dada pela construtora Sersan, de propriedade do ex-deputado federal Sérgio Naya, era a de que ela entregaria finalizada apenas a parte externa. Ou seja, o interior dos apartamentos deveria ser concluído pelos próprios adquirentes. Eles próprios fariam as obras que achassem necessárias, sendo esse o segundo indício. O terceiro corresponde à desonestidade da construtora ao entregar uma construção com problemas estruturais. Esse último ponto, mais imprevisível, infelizmente, só pôde ser confirmado quando houve o primeiro desabamento.
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Inocência x ingenuidade
Palace II: Três Quartos com Vista para o Mar, documentário de Rafael Machado e Gabriel Correa e Castro, inicialmente, mostra como Palace II foi construído em cima da inocência de pessoas que acreditavam na possibilidade de morar em frente ao mar. Além disso, tratava-se de um bairro que era seguro. Tudo isso sem pagar um valor alto. Entretanto, essa inocência não se confunde com ingenuidade. Visto que alguns dos entrevistados perceberam falhas na execução da obra. Inclusive com atraso na entrega das chaves, mas, mesmo assim, mudaram-se para os apartamentos. Passados oitos meses, os quais para uma das moradoras foram os mais felizes da sua vida, os indícios se tornaram fatos. Assim, uma parte do prédio foi ao chão no dia 22 de fevereiro, vitimando 8 pessoas. Poucos dias depois, ruiria uma outra parte. O segundo desabamento resultaria na implosão do restante no dia 27 de fevereiro.
Após 20 anos, o documentário reconstitui o desastre, a batalha judicial e a vida dos que ainda lutam por justiça. A partir de entrevistas com moradores e com operadores do direito envolvidos na ação, bem como registros audiovisuais da época e relatos de especialistas, Palace II: Três Quartos com Vista para o Mar percorre vários momentos do prédio, indo desde a sua construção, passando pelo seu desabamento e sua consequente implosão até a batalha pelo ressarcimento dos danos causados. Durante o filme somos levados a perceber a gama de dores resultantes do evento traumático. Elas mostram que a dor mais imediata de perda dos parentes, do apartamento e do dinheiro investido se mescla ao longo do tempo ao sentimento de injustiça e de impunidade dos responsáveis.
O poder judiciário sob suspeita
A preocupação dos diretores em interferir o mínimo possível na imagem criada em torno dos envolvidos na tragédia reflete-se na tentativa de deixar que os personagens relatem suas dores. A partir disso, o espectador pode elaborar seu próprio juízo de valor. A decisão por evitar outros acontecimentos polêmicos da época envolvendo Sérgio Naya parece se guiar pelo objetivo de não vilanizar o deputado mais do que o que suas vítimas já fazem. Tal escolha, no entanto, ao invés de parecer condescendente, é antes de tudo responsável. Ainda mais quando se escuta apenas um dos lados. Assim, o documentário deixa os personagens livres para contar suas histórias e o cinéfilo para compreendê-las e avaliá-las da forma que lhe convém.
A opção por deixar a narrativa ser contada de forma orgânica a partir de relatos e de vídeos jornalísticos do período também evita uma outra indisposição: o poder judiciário. No que diz respeito ao processo judicial, desde o começo, houve dificuldades para se conseguir responsabilizar Sérgio Naya pelo desabamento. Nas falas dos moradores e do promotor que acompanhava o caso, existiu suspeita de favorecimento ao deputado por parte do juiz responsável. No final de tudo, após ter passado um tempo preso, Naya foi inocentado. A revolta diante do resultado insatisfatório mostra a decepção dos sobreviventes com a justiça brasileira, bem como a impossibilidade de chorar as dores sem ter que antes sentir ódio.
Por tudo isso, Palace II: Três Quartos com Vista para o Mar é um importante documentário que mostra, não só um triste capítulo da história brasileira, mas que revela e atualiza como o poder judiciário, à exceção de alguns que dela fazem parte, algumas vezes atua trazendo mais dor do que conforto.
::: TRAILER
::: FICHA TÉCNICA
Título original: Palace II: 3 Quartos com Vista para o Mar
Direção: Rafael Machado, Gabriel Correa e Castro
Distribuição: Pagu Pictures
Data de estreia: qui, 18/07/19
País: Brasil
Gênero: documentário
Ano de produção: 2018
Duração: 84 minutos
Classificação: 12 anos
Karinna Adad
Tranquila, mas multitarefada. Sou daquele tipo de pessoa que sempre está fazendo alguma coisa e descobrindo outras tantas pelo caminho. Topo qualquer parada desde que tenha prazer nela e uma das que por mais tempo vem me enchendo de alegria é a escrita. E como boa leitora consigo escrever sobre quase qualquer coisa, por mais que, como uma cientista social em formação, não consiga deixar de fazer agir meu raio problematizador nos meus textos.
