CRÍTICA | ‘Sem Rastros’ é o “Capitão Fantástico” da vida real

Wilson Spiler

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7 de novembro de 2018

Dirigido por Debra Granik (do belo “Inverno da Alma”), Sem Rastros (Leave no Trace) foi vencedor de prêmios em diversos festivais como Independent Film Festival of Boston, Heartland Film, Jameson CineFest e Taormina International Film Festival, em categorias como Melhor Direção e Melhor Roteiro, além de inúmeras indicações em outros. O filme também foi uma das produções mais elogiadas no Festival de Sundance deste ano e exibido no Festival de Cannes. Toda essa aclamação tem motivo. Trata-se de um longa-metragem com muito sentimento e que retrata a relação entre pai e filha de maneira bem singela.

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Na trama, uma adolescente e seu pai têm vivido por anos sem serem notados em Forest Park, vasta floresta na fronteira de Portland, nos Estados Unidos. O paradeiro deles é descoberto por acaso e eles são removidos do parque, ficando sob os cuidados do serviço social. Os dois tentam se adaptar ao novo ambiente, mas encontram dificuldades, principalmente o adulto. Então, uma decisão repentina dele os coloca numa jornada arriscada e os força a confrontarem seu desejo contraditório de pertencerem a uma comunidade e viverem isolados ao mesmo tempo.

A partir disso, o longa roteirizado por Debra GranikAnne Rosellini, baseado no romance My Abandonment, de Peter Rock, discorre sobre as diferenças de necessidades entre pai e filha, onde ele, após perder a esposa, não consegue se ver num ambiente em contato com a sociedade. A garota, por sua vez, que – obviamente – também sofre pela perda da mãe, passa por um processo de maturidade forçado. Ben Foster, que interpreta Will, e Thomasin McKenzie, intérprete da personagem Tom, a menina de apenas 13 anos, dão uma aula de atuação. Tanto o camaleônico ator quanto a jovem passam tamanha sensação de realidade ao espectador que é quase impossível o cinéfilo não se envolver com o drama. Durante uma cena chave para o longa, quem estiver sentado na cadeira do cinema terá dificuldades para não se emocionar. A falta de qualquer trilha deixa a tomada ainda mais impactante e realça os talentos imponderáveis da dupla.

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Já a fotografia de Michael McDonough explora de forma brilhante os contrastes das etapas diferentes das vidas dos protagonistas. Embora banhado por uma luz mais fria, o verde intenso da floresta salta aos olhos do espectador. Após a mudança, um tom opaco reforça o conceito de que o lar entre quatro paredes trará um difícil convívio entre os dois. Diferente do famoso “Capitão Fantástico”, onde toda a família vive de forma livre no mato, está plenamente adaptada e pretende permanecer dessa maneira para sempre (ou até quando der), aqui, a situação muda de figura, até por imposição do governo. Tom, ao conviver com a sociedade, começa a ter amigos e a gostar desse contato, criando atrito de pensamento com Will, o que torna Sem Rastros uma produção mais realista, digamos, do que o belo longa-metragem de Matt Ross, de 2016.

Foto: Sony Pictures / Divulgação

O filme faz ainda algumas analogias interessantes com a cultura pop através dos animais. O coelho encontrado por Tom, que pertence a Isaiah (Isaiah Stone, que, curiosamente, também trabalha em “Inverno da Alma”), com quem ela faz amizade chama-se Chainsaw, numa alusão à canção de Nick Jonas, algo bem pertinente, já que se trata de dois adolescentes, que, teoricamente, curtem o gênero musical. Já o cachorro, que pertence a integrantes da vila onde pai e filha vão morar, é intitulado de Willie Nelson, famoso cantor e compositor de música country, escritor, ator, poeta e ativista estadunidense. São relações divertidas que servem como curiosidade para quem gosta de referências.

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Assim como em “Inverno da Alma”, aclamada obra da diretora Debra GranikSem Rastros também retrata relações familiares e, coincidentemente (ou não), novamente uma relação entre pai e filha, mas a abordagem é completamente diferente. Uma outra semelhança com o longa-metragem de 2010 é a destacada atuação de uma jovem. Se anteriormente a cineasta “revelou” Jennifer Lawrence para o mundo, agora, a aposta é em Thomasin McKenzie, que mostra um potencial tão grande quanto a atual queridinha de Hollywood, com um detalhe: ainda mais jovem.

::: TRAILER

::: FICHA TÉCNICA

Título original: Leave no Trace
Direção: Debra Granik
Elenco: Thomasin McKenzie, Ben Foster, Jeffery Rifflard, Isaiah Stone, Jeff Kober
Distribuição: Sony
Data de estreia: Festival do Rio
País: Estados Unidos
Gênero: drama
Ano de produção: 2018
Duração: 108 minutos
Classificação: a definir

Wilson Spiler

Will, para os íntimos, é jornalista, fotógrafo (ou ao menos pensa que é) e brinca na seara do marketing. Diz que toca guitarra, mas sabe mesmo é levar um Legião Urbana no violão. Gosta de filmes “cult”, mas não dispensa um bom blockbuster de super-heróis. Finge que não é nerd.. só finge… Resumindo: um charlatão.
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