Vida de Cão

‘Vida de Cão’ é um documentário sobre amor, lealdade e olhares antropológicos

Cadu Costa

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26 de agosto de 2021

Qualquer amante de animais vai dizer que os cachorrinhos vira-latas são as coisas mais gostosas do mundo. Se você discorda, faça isso na sua casa e longe de mim porque só a minha opinião importa. Mas se você é daqueles que gostariam de ter muito dinheiro para salvar todos os animais do mundo – e também as crianças porque também são inocentes – então você precisa assistir ao documentário ‘Vida de Cão’, da diretora Elizabeth Lo (‘Hotel 22’), em cartaz desde o último dia 20.

Mas nem tanto pela fofura dos cachorrinhos e sim pela dureza da vida nas ruas de Istambul, na Turquia, onde filmaram o longa. A cidade, aliás, tem uma relação especial com seus cães de rua. Não é apenas tolerância; é cuidado coletivo. Elizabeth Lo descobriu isso depois que a morte de seu animal de estimação na infância a levou a examinar como as culturas ao redor do mundo agem em relação às criaturas caninas com as quais a humanidade evoluiu. Assim nasceu Vida de Cão, que acompanha o cotidiano do trio canino Zeytin, Nazar e Kartal em busca de comida, abrigo e segurança. Em sua jornada, os animais embarcam em aventuras solitárias pela capital turca e fazem amizades com os humanos que conhecem pelo caminho.

Vida de Cão

Elizabeth Lo

A cineasta, nascida e criada em Hong Kong e hoje vivente em Los Angeles, conta que a viagem para Turquia começou em 2017 e considera a história, bem como o relacionamento do país com os cães algo único no mundo. “As autoridades turcas aniquilaram no século passado muitos cães de rua. No entanto, protestos generalizados contra esses assassinatos transformaram a Turquia em um dos únicos países onde agora é ilegal tanto a eutanásia quanto manter cativo qualquer cão. Os cães que perambulam livremente hoje são considerados um emblema de resistência”, conta Lo.

Zeytin

De fato, é na cadela em particular, Zeytin, que notamos o quanto isso pode ser verdade. Sua interação com os humanos que encontra em sua vida é tocante e seu olhar é extremamente antropológico. A bondade presente nela e em outros animais que durante sua jornada, embarcam em aventuras solitárias pela capital turca e fazem amizades com os humanos que conhecem pelo caminho, é simplesmente maravilhosa. Pelo olhar de Zeytin e dos outros conhecemos Istambul em diversas camadas.

Em especial, a história dos meninos de rua vindos da Síria e buscando escapar da guerra em seu país de origem. Temos também pessoas em outros círculos mas todos são apresentados vindos dos olhares amorosos de Zeytin, Nazar e Kartal, o filhote mais gostoso do mundo. Apesar disso, o documentário é cru e não romantiza a difícil situação seja dos humanos ou cachorros. Para esconder a fome, por exemplo, os meninos acabam recorrendo a drogas, como cigarro e cola. Sempre, porém, dão um jeito de alimentar os bichos.

Vida de Cão

E sobre isso há uma bem resumida declaração por um dos vários homens que aparecem brevemente no documentário: “eles (os garotos) fazem mal a si mesmos, mas não fariam aos animais”. Isso ilustra o mesmo acontecendo em qualquer rua de qualquer cidade do Brasil. Moradores de rua, descamisados, pessoas à margem da sociedade não andam com cachorros por buscarem uma forma de se alimentarem ou terem empatia de transeuntes. É apenas a forma de se ter amor puro e real vindo de alguém que nunca irá julgá-los ou discriminá-los. É somente um modo de receber amor quando não há amor vindo de outros lugares.

Vida de Cão

Em um nível macro, Vida de Cão tem uma história muito fina que não é particularmente linear. É bastante cíclico e não há desenvolvimento real de qualquer personagem. Portanto, não está de acordo com uma estrutura clássica de narrativa, não tenta impor a nossa ideia do que é uma boa história. O filme, por exemplo, SPOILER termina com Zeytin sozinha, como ela estava no começo. É o que observamos da vida dela: as pessoas vêm e vão, mas no final, ela confia em si mesma.

E esse ponto de vista de um cachorro era importante, pelo menos em termos de altura – tantos filmes de animais parecem retratar seus temas de uma altura humana. Ao criar um dispositivo que me permitiu rastrear ao lado deles e ver um mundo que consiste principalmente de pés humanos, Elizabeth Lo pode ter criado uma obra-prima do cinema documental.

Vida de Cão

Reconhecimento

Não à toa, nomes como Michael Moore (‘Tiros em Columbine’) elogiam o longa, além de Vida de Cão vencer o Prêmio do Júri no Hot Docs e ser um dos indicados ao Independent Spirit Award após sua estreia no Festival de Tribeca 2020.

O documentário de Elizabeth Lo, produzido em parceria com Shane Boris, produtor de ‘Democracia em Vertigem’, está disponível para compra e aluguel nas seguintes plataformas: Claro Now, Vivo Play, Sky Play, Google Play e YouTube Filmes. Vida de Cão é distribuído pela Synapse Distribution.

Por fim, deixo uma frase do nosso grande escritor Machado de Assis: “Felizes os cães, que pelo faro descobrem os amigos”.

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Ficha técnica – Vida de Cão

Título original: Stray
Direção: Elizabeth Lo
Elenco: Zeytin, Nazar, Kartal
Onde assistir: Claro Now, Vivo Play, Sky Play, Google Play e YouTube Filmes
Data de estreia: sex, 20/08/2021
País: Turquia
Gênero: documentário
Duração: 72 minutos
Ano de produção: 2021
Classificação:

Cadu Costa

Cadu Costa era um camisa 10 campeão do Vasco da Gama nos anos 80 até ser picado por uma aranha radioativa e assumir o manto do Homem-Aranha. Pra manter sua identidade secreta, resolveu ser um astro do rock e rodar o mundo. Hoje prefere ser somente um jornalista bêbado amante de animais que ouve Paulinho da Viola e chora pelos amores vividos. Até porque está ficando velho e esse mundo nem merece mais ser salvo.
9
Créditos Intergaláticos

Créditos Galáticos: 9

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