Esperando-Bojangles-crítica-do-filme-2022

Foto: Califórnia Filmes / Divulgação

‘Esperando Bojangles’: só os ‘loucos’ dançam

Ana Rita

|

3 de novembro de 2022

Exibido no Festival Varilux e agora estreando nos cinemas, o filme Esperando Bojangles (En Attendant Bojangles) tem grandes nomes do cinema francês atual: Virginie Efira (estrela de “Benedetta”) e Romain Duris (“Uma Nova Amiga”). O longa conta a história de Camille (Efira) e Georges (Duris) formando sua família, com o nascimento e criação de Gary (Solan Machado Graner).

Com direção de Régis Roinsard, Esperando Bojangles inicia como uma leve comédia romântica francesa, apaixonante e dançante, principalmente pelo entrosamento do par romântico e a atuação hipnotizante de Virginie Efira. Mas, no decorrer da obra, mergulhamos nos problemas da família e testemunhamos a tentativa de cura pelo amor de uma família.

Leia também:

‘Carvão’ é um verdadeiro filme-denúncia

‘Kevin’ se destaca pelo trivial

Novembro na Mubi tem clássico cult de Lars Von Trier e filmes do Cabíria Festival

Mr Bojangles, dance!

A dança é forte e frequente no filme, funcionando como uma válvula de escape para a família, com a sensação de liberdade que essa arte tem. Todas as noites o casal dança sua música favorita, “Mr. Bojangles”, como sinônimo de felicidade.

A música foi escrita em 1968 pelo artista country americano Jerry Jeff Walker, sendo posteriormente gravada por grandes nomes da música como Nina Simone, Bob Dylan (quem lê a letra e escuta a canção poderia facilmente associá-lo a criação da música), Sammy Davis Jr. e Neil Diamond.

Quem foi Mr Bojangles?

Nessa melodia dançante e batida melancólica, a canção fala sobre “Mr. Bojangles”, que gostava de dançar e chorava sobre seu cachorro que havia morrido. Jerry disse que a música foi escrita após conhecer um homem na prisão em 1965 que se denominava ‘Sr. Bojangles’. Ele era dançarino de tap-dancing em New Orleans e contava uma história sobre seu cão.

Mr. Bojangles foi o apelido também de um famoso dançarino negro nos Estados Unidos, atuando em diversos filmes entre 1930 e 1940. Foi primeiro artista negro mais bem pago da indústria do entrentenimento. ‘Mr. Bojangles’ passou a ser adotado como termo para os dançarinos de rua negros.

Em 2016, o escritor francês Olivier Bourdeaut escreveu o livro “Esperando Bojangles”, sendo a inspiração para o filme de Régis, trazendo a história do casal que dançava ao som da canção na voz gloriosa de Nina Simone.

A cura do amor

Esperando Bojangles inicia em um clima de comédia francesa contemporânea com cores vivas e vibrantes apresentando Georges, um mentiroso compulsivo e vigarista na Riviera francesa. Ele fica encantado ao ver uma bela moça dançando. Ao se apresentar, o homem a chama de Antoinette, afirmando que esse parecia ser o nome dela. E assim embarcam em uma aventura romântica e apaixonante.

Para ele, não há dúvidas que foi amor à primeira vista e precisa se casar com a moça, que posteriormente descobrimos que se chama Camille e que ela tem medo de amor. São dois apaixonados ‘problemáticos’, mas que, desde o início, Georges luta pelo casal por afirmar que Camille é o amor da sua vida.

Desenvolvimento

O desenvolvimento do casal e da formação da família é muito rápido. Logo pula para nove meses depois, quando Camille está dando à luz ao seu filho. Em seguida, parte para quando ele já está crescido e é uma criança. De início, achei estranho esse não-desenvolvimento dos personagens, mas a atuação dos três principais e a conexão da família é forte. Logo ficamos enfeitiçados por essa atmosfera de comédia romântica meio exagerada e caricata, com um casal apaixonado e o radiante filho fruto desse amor.

Camille não gosta de ser chamada por seu nome, algo completamente compreendido por Georges, que a chama por diferentes nomes durante o filme. Isso, inicialmente, parece ser só excentricidade. Mas com o desenvolvimento da narrativa, nota-se que a vida da família é regada a diversão e curtição.

Trata-se de uma ingenuidade sobre a vida adulta e suas responsabilidades. Como se Camille vivesse em uma realidade paralela ou em outro mundo. Nada é levado a sério, nem os problemas. E assim podemos perceber que Camille sofre uma doença psiquiátrica com bruscas mudanças de humor, surtos de raiva e a perda de noção de realidade. Mesmo com amigos e vizinhos olhando para ela como sendo algo errado, Georges sempre a apoia e encoraja, é o único que não a julga.

O estigma da loucura

Reforço que as três atuações (Virginie Efira, Romain Duris e Solan Machado Graner) merecem total atenção, se tornando o ouro desta obra. Mas a atuação da intérprete de Camille é emocionante. A atriz te faz rir e chorar, alcança de forma hipnotizante os extremos da emoção dos espectadores, justificando totalmente o atual clamor que tem no cinema francês contemporâneo.

A ficha de Georges sobre a saúde mental da mulher só cai quando um triste acidente acontece, sendo uma grande preocupação para a família. Camille é internada em um hospício, enquanto pai e filho vivem na, agora, infeliz realidade lúcida. A fotografia do filme acompanha essa mudança de humor e situação, tornando-se mais sóbria e seus tons mais frios.

Luta antimanicomial

Essa alteração é bastante interessante, pois é a mudança da imaginação para a realidade, da diversão para a tristeza, na agora fria, sofrida e solitária situação de Camille. Afastada do marido e filho, ela está condenada a um ‘tratamento’ de choque, que, por muito tempo, foi destinado a pessoas com alguma doença ou transtorno mental.

Nesse momento, o filme levanta um pouco a questão da luta antimanicomial, mesmo que seja de forma indireta, partindo da ideia de Georges com o filho em libertá-la daquele lugar. Esperando Bojangles‘ apresenta, inicialmente, uma pessoa feliz, livre, mas que, dentro do estigma de louca, ‘precisa’ sofrer nessa sociedade que a julga, em uma prerrogativa de tratar sua sanidade para um padrão de convivência com os demais.

Um ponto muito interessante dentro dessa pauta, é a interação de Gary com outro paciente internado. O longa expõe bem essa ideia totalmente errônea de uma necessidade de isolar e afastar essas pessoas consideradas ‘loucas’, e esse preconceito, assim como a busca por uma ‘normalidade’ em nossa sociedade.

Humor e leveza

Georges sempre falava sobre ter um castelo na Espanha para morar com Camille. Ainda internada, ele e o filho bolam um plano para a tirarem do hospício. Nesses momentos, o tom de humor volta, bem como a ingenuidade, trazendo uma leveza para um tema tão importante e com tantos tabus.

Nesse castelo, Camille tem seus momentos de surto, com dificuldade no convívio, como quando acaba expulsando Mademoiselle, a ave exótica de estimação da família. Como ela afirma, nessa guerra da sua loucura, Georges e Gary iriam ajudá-la, sem nunca desistir e sempre acreditando na vitória. Chegam a pensar em uma masmorra para que, em determinados momentos, Camille se isolasse. Ela toma alguns medicamentos e morre afogada, mesmo que Georges tente salvá-la.

Em muitas culturas, a morte é vista como momento de tristeza, o luto precisa ser visto como momento de sofrimento. Mas com essa construção de Camille buscando sempre a felicidade, o filho a “vê” no velório, e isso é retratado como momento de diversão. Temos a presença de Camille com alegria em mais um de seus atos de diversão. Acredito que seja a ideia mais bela ao relembrarmos de pessoas queridas que já partiram. A celebração da vida desta e da alegria de todos os momentos que foi permitido viver e conviver.

Esperança em dias loucos?

Além dos três, a família também tem um amigo que está sempre presente: Charles. No dia seguinte, ele conversa com Gary para contar que o pai precisou sair para encontrar Camille, que era preciso cuidar dela onde quer que estivesse. No mesmo instante, Mademoiselle volta para Gary, como uma figura e sinal de esperança.

Camille ensinou e incentivou Gary a inventar uma boa história. Criatividade era sinônimo de alegria, até porque como fugir de uma realidade dolorosa e triste? Com a imaginação e esperança de dias melhores.

Esperando Bojangles é um filme triste, mesmo que tenha seus contrapostos de felicidade. Não é uma obra reconfortante, mas, de forma poética, consegue ainda assim deixar uma esperança em um possível final feliz na vida, mesmo que seja em um futuro distante ou desconhecido.

É sobre o amor e encontro de duas almas gêmeas, assim como as consequências do preconceito e estigma da loucura, quando, na verdade, não houve tratamento nem se tem o conhecimento da doença. Do tipo de filme que é impossível não chorar. Tanto no final quanto no dia seguinte, bastando você lembrar ou apenas escutar “Mr. Bojangles”.

Onde assistir ao filme Esperando Bojangles (2022)?

A saber, Esperando Bojangles estreia nesta quinta-feira, 3 de novembro de 2022, exclusivamente os cinemas brasileiros.

Aliás, está de olho em algo na Amazon? Então apoie o ULTRAVERSO comprando pelo nosso link: https://amzn.to/3mj4gJa.

Não deixe de acompanhar o UltraCast, o podcast do ULTRAVERSO:

https://app.orelo.cc/uA26

https://spoti.fi/3t8giu7

Trailer do filme Esperando Bojangles (2022)

Esperando Bojangles (2022): elenco do filme

Romain Duris

Virginie Efira

Grégory Gadebois

Solan Machado Graner

Ficha Técnica do filme Esperando Bojangles (2022)

Título original do filme: En attendant Bojangles

Direção: Régis Roinsard

Roteiro: Régis Roinsard e Romain Compingt, baseado no romance de Olivier Bourdeaut

Duração: 124 minutos

País: França, Bélgica

Gênero: drama

Ano: 2022

Classificação: a definir

Ana Rita

Piauiense, nordestina e estudante de Arquitetura, querendo ser cinéfila, metida a crítica e apaixonada por cinema, séries, arte e música. Siga @trucagem no Instagram!
5

Créditos Galáticos: 5

O que sabemos sobre Wicked Boa noite Punpun Ao Seu Lado Minha Culpa Lift: Roubo nas Alturas Patos Onde Assistir o filme Lamborghini Morgan Freeman