Indo e vindo…

Demétrius Carvalho

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12 de agosto de 2015

Era 20:00h ou 20:15h e eu ali parado na passarela que atravessava a 23 de maio. Carros indo e vindo assim como meu pensamento. A diferença é que os carros tinham um ponto de chegada. Meus pensamentos não e talvez por isso tenha reagido por mero instinto. Escutei um barulho vindo da minha direita e quando olhei, vi um rapaz correndo perseguido por uma mulher. Não pensei duas vezes e estiquei o meu pé levando o pilantrinha de cara para o chão. A garota já chegou em mim gritando:

– Você é louco? Que merda é essa?

– Só queria pegar esse pilantra para você

Carros indo e vindo como meu pensamento e eu de novo sem a devida atenção não vi o murro que me levou à nocaute. Acordei no hospital sentindo uma dor abaixo do olho direito e demorei um pouco para entender, mas reconheci o casal que também estava em volta da cama. O cara também tinha sua marca no rosto e soube que ele havia quebrado o nariz na queda. Até então eu pensei que ele tinha se dado pior, mas soube em seguida que tive um afundamento na face abaixo do olho que me fui deveras mais complicado.

– Cara, desculpa pelo que eu fiz, eu reagi instintivamente e te dei esse soco.

– Eu não estou entendendo nada.

– E voce acha que eu entendi por que me derrubou?

– Ela corria atrás de você. Pensei ser um ladrão.

Um policial que estava então apenas observando e anotando alguma coisa pergunta:

– E então, teremos algum B.O. aqui?

– Eu continuo sem entender. Ele é ladrão ou não? – Enquanto sentia meu rosto latejando.– A garota finalmente se manifesta:

– Ele é meu namorado! – E o próprio fala:

– Acho que não. Acho que foi um grandioso mal entendido.

– Mas ele ainda pode querer fazer.

Era novidade, informação e dor demais para eu processar no momento.

– Então eu não tenho mais o que fazer por aqui – E assim o policial se retirou.

Um médico chegou e me explicou que eu teria que passar por uma cirurgia e daí eu comecei a notar o problemão que eu tinha. Dessa feita, comecei a sentir raiva. Tanto de mim quanto do casal. Se o policial ainda estivesse ali, certamente que eu faria o B.O.,  mas o casal não saia dali e parecia de certa forma se importar de verdade comigo. Tanto que quando acordei no dia seguinte, foi os primeiros que vi novamente e foram eles que chamaram a enfermeira para depois chamar o médico que me deu alta explicando as coisas que teria que fazer até a cirurgia. O casal então me oferece carona e aceitei para desconstruir o sentimento de raiva que existia dentro de mim. Para ser sincero, não funcionou. Minha raiva foi aumentando por eles e chegou ao ápice quando eu ligo o meu celular e vi que o casal havia me adicionado. Ainda dentro do carro, fingi que olhava outra coisa e sai da rede social.

Cheguei em casa e só queria dormir. No final da tarde, acordei e queria dar uma refrigerada nas idéias. Como morava muito perto da passarela e costuma ir freqüentemente lá, quando me dei conta, já estava ali. Os carros indo e vindo, mas dessa vez meu pensamento estava focado no que havia acontecido ali cerca de 24h atrás.

No outro dia de manhã, quando acordei, dou de cara com aquele casal de novo me adicionando. Não aceitei, nem neguei, mas confesso que dei uma olhada no perfil de ambos. Pareciam ser gente boa, mas me levantei irritado. No final do dia, com a dispensa do trabalho por 3 dias, voltei para a passarela. Dessa vez para pensar exatamente sobre o que fazer com esse casal. Aceito os caras? O que teremos para conversar? Faço um B.O. contra eles?

Os carros indo e voltando…

Passou o tempo e serenei meu coração. Aceitei o casal e embora tenha realmente baixado a guarda em relação a eles, não fluía assunto. Talvez nunca flua, mas eu também não quero alimentar mágoa. Não consegui nem ter raiva deles no dia posterior quando acordei da cirurgia com muita dor.

Os carros indo e voltando com o tempo modificando tudo. Menos minhas idas à passarela. Era para lá que eu ia para pensar, até que outra vez um som vindo da direita. Um cara correndo. Uma garota atrás e deixei-os passar por mim. Já tinha aprendido que podemos ter julgamentos equivocados com apenas uma parte da informação. Voltei o olhar para os carros que iam e vinham, mas não contava com a menina voltando só uns 5 minutos depois. Ela me olhava e quando se aproximou de mim, me cuspiu no rosto:

– Por que você segurou aquele cara? – E se foi.

Não tive raiva. Nem nojo nem nada. Limpei a cusparada. Também não julguei a moça. Para ser sincero, também não sei se fiz a coisa certa em simplesmente deixar ela passar sem sequer tentar explicar a razão por não ter feito nada.

Os carros continuavam indo e vindo…

Demétrius Carvalho

Demétrius Carvalho é músico, multi-instrumentista e produtor musical de origem, mas anda com frequência em outras artes passando pela literatura, fotografia. Blogueiro, da suas impressões ainda sobre cinema, artes plásticas e definitivamente é multimídia adorando sobrepor arte sobre arte.
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