O Fim da Viagem, O Começo de Tudo

‘O Fim da Viagem, O Começo de Tudo’ | CRÍTICA

Karinna Adad

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10 de setembro de 2019

Eu já recomendaria O Fim da Viagem, O Começo de Tudo (Tabi No Owari Sekai No Hajimari), de Kiyoshi Kurosawa, pelo fato de se passar no Uzbequistão. Afinal, a grande maioria da população brasileira – e nesse grupo me incluo – não sabe nada ou quase nada sobre esse país. Entretanto, o filme ainda traz várias camadas de complexidades que perpassam e marcam a vida das mulheres, seja na vida pessoal ou na profissional.

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A trama

Yoko (Maeda Atsuko) é uma jornalista japonesa que está no Uzbequistão para gravar uma série de vídeos mostrando a cultura do país. São temas que envolvem desde a culinária até as opções de divertimento. Apesar de não ser o trabalho dos sonhos, ela é comprometida ao extremo e, ao longo dos dias, vivencia as experiências mais degradantes que se possa imaginar, sem, contudo, revoltar-se ou desistir do emprego. Acompanhada por uma equipe totalmente masculina em uma nação marcadamente machista, Yoko é diversas vezes atravessada por homens que ora a menosprezam, ora a ignoram, ora a exploram.

Assédio moral e solidão feminina

Durante O Fim da Viagem, O Começo de Tudo, duas situações em especial me chamaram a atenção devido à ocorrência constante e perturbadora: o assédio moral por parte dos colegas de trabalho e a dimensão da solidão feminina. O filme começa mostrando a comunicação nada fácil entre a jornalista e um uzbeque. Yoko parece perdida e desesperada enquanto o homem fala, gesticula e aponta para uma moto. Por fim, os dois montam na moto e seguem viagem até o meio do nada. A mulher desce e, conforme ela corre cheia de sacolas numa paisagem composta por areia e mato, vemo-la se aproximar de um grupo de três homens. São os seus colegas de profissão, que já preparados para começar a gravação, foram incapazes de avisá-la e de esperá-la para irem juntos.

O Fim da Viagem, O Começo de Tudo (5)

Superado esse primeiro inconveniente, Yoko é novamente colocada à prova quando precisa experimentar um prato típico uzbeque e não deixar transparecer para o telespectador que o alimento está impróprio para consumo, uma vez que não está totalmente cozido. A insensibilidade do diretor Yoshioka (Shota Sometani) é implacável nessa situação e em tantas outras. No entanto, a conjuntura que mais causa desconforto e repulsa, apesar da comicidade da cena, é a gravação no parque de diversões. Afinal, a jornalista é colocada para filmar em um brinquedo que, pelos alertas do responsável, não é adequado para todo tipo de pessoa. Em uma cena que retrata o suprassumo do assédio moral, Yoko faz três filmagens no brinquedo mesmo demonstrando – vocal e fisicamente – desespero e enjoo no término de cada uma.

Machismo e desconhecimento

Como se não bastassem as exigências estafantes feitas pelo diretor, que não contam com a interferência de nenhum dos outros homens que compõem a equipe, a japonesa experiencia situações desafiadoras no país estrangeiro. A presença de Yoko não apenas atiça olhares masculinos indiscretos que a deixam constantemente desconfortável nos espaços públicos, como também enseja atitudes e comentários machistas por partes dos locais. Numa dessas ocasiões um pescador grosseiro e de má vontade decreta que o não aparecimento de um peixe famoso na região se dá porque a jornalista está presente e “peixe odeia cheiro de mulher”.

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Não à toa, Yoko é reservada e solitária, e sobre ela não sabemos muito. O pouco que nos é permitido conhecer ocorre nos poucos minutos que marcam a conversa com o intérprete uzbeque Temur (Adiz Rajabov). Nela, a jornalista revela seu grande sonho de ser cantora e que, ao contrário do que se é esperado de toda mulher, ela não está tão certa quanto ao desejo de se casar com o namorado.

Cultura diferente, mas desafios iguais

Enfim, O Fim da Viagem, O Começo de Tudo mostra com delicadeza e apuro os desafios que uma mulher ainda tem que enfrentar pelo simples fato de ser mulher. E, nesse intento, somos conectadas com Yoko mesmo esta pertencendo a uma cultura muito diferente da nossa. Para conseguir chegar a um resultado que leva à reflexão, muito mais do que à busca de culpados, Kurosawa dilui a dureza e a dramaticidade dos temas abordados com cenas entremeadas por comicidade. Em resumo, o filme acompanha uma figura feminina que, apesar da aparência frágil e vulnerável, vai, por meio dos desafios impostos, decidindo o caminho da sua vida sem a interferência de nenhuma pessoa além dela mesma.

::: TRAILER

::: FICHA TÉCNICA

Título original: Tabi No Owari Sekai No Hajimari
Direção: Kiyoshi Kurosawa
Roteiro: Kiyoshi Kurosawa
Elenco: Tokio Emoto, Atsuko Maeda, Ryo Kase
Distribuição: Zeta Filmes
Data de estreia: qui, 12/09/19
País: Japão, Uzbequistão, Catar
Gênero: drama
Ano de produção: 2019
Duração: 120 minutos
Classificação: a definir

Karinna Adad

Tranquila, mas multitarefada. Sou daquele tipo de pessoa que sempre está fazendo alguma coisa e descobrindo outras tantas pelo caminho. Topo qualquer parada desde que tenha prazer nela e uma das que por mais tempo vem me enchendo de alegria é a escrita. E como boa leitora consigo escrever sobre quase qualquer coisa, por mais que, como uma cientista social em formação, não consiga deixar de fazer agir meu raio problematizador nos meus textos.
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