Todos Os Mortos crítica

‘Todos os Mortos’ | CRÍTICA

Luis Jachmann

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7 de março de 2020

“No Brasil, não temos futuro neste momento”

Uma mudança conservadora para a direita está ocorrendo no Brasil. Isto também afeta a visão da sua própria história. Antes mesmo de Bolsonaro chegar ao poder, Caetano Gotardo e Marco Dutra começaram a produzir um filme histórico. Todos os Mortos conta a história de uma família do café na virada do ano 1899. Os diretores criaram uma obra-prima estética que comemorou uma estreia mundial entusiasmada na Berlinale.

A trama

A Josefina mói feijões castanhos. Ela derrama o líquido obtido em uma pequena xícara – café preto, que sempre foi um produto agrícola do Brasil. Lá fora está chovendo a cântaros. Sons de xilofone. Josefina, uma senhora idosa de pele negra, toma um golo. Depois ela canta uma canção. Ela canta de águas divinas, templos, flores de lótus.

Isto é o Brasil em 1899. O ano da independência. As freiras brancas estão sentadas na sala classicista. Ana (Carolina Bianchi) toca sonatas de música clássica europeia ao piano. Mas falta o café. Josefina, a empregada está morta. Ela também teria sabido como ajudar a frágil mãe Ana a levantar-se. No convento, os negros são escravizados enquanto as irmãs brancas ensinam na escola das meninas ou se dedicam à cultura e à literatura.

A escravidão foi oficialmente abolida no Brasil há 11 anos, mas pouco – ou nada – mudou nas condições sociais. A cor da pele e a origem determinam a posição social. A relação entre negros e brancos no mosteiro é hierárquica, mas não é sub-arrefecida.

“As mulheres vivem em uma sociedade muito patriarcal, o que foi muito difícil para elas. O pai está no comando, mesmo que ele esteja longe. Só as mulheres estavam completamente perdidas”, diz a atriz Carolina Bianchi.

“As freiras estão sempre dentro de casa, oprimidas. Eles não têm nem esperanças nem objetivos próprios. Mas quando a criada Ina chega, as freiras brancas compreendem que a opressão das mulheres negras tem uma dimensão completamente diferente”, acrescenta a atriz Clarissa Kiste.

Todos Os Mortos filme

Aula de História do país

Nas aulas escolares, as meninas aprendem sobre a história do seu próprio país. Afinal, há 10 anos, o Brasil proclamou uma República. Além disso, dentro de alguns meses, o imenso país entrará numa nova era com a independência.

O pai da família está muito longe. Ele ganha o seu dinheiro na fazenda de café no sul de São Paulo. Mas o negócio vai mal das pernas. E a concorrência, por outro lado, vai muito bem, obrigado.

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Ele recusa um apelo desesperado de sua filha para vir a São Paulo. Ina (Mawusi Tulani), a criada negra da propriedade, vai ao mosteiro, onde o marido dela trabalha. No início, ela também é cética, mas depois concorda. Porque, em São Paulo, a empregada Carolina está sobrecarregada com todas as obrigações.

Todos Os Mortos crítica do filme

Aliás, a chegada de Ina, neta de Josefina, promete ordem no convento. E ela tem, imediatamente, uma grande tarefa a cumprir: preparar uma cerimônia tradicional dos seus antepassados para a mãe Anas, doente terminal. Uma tarefa que ela não está ou não quer estar à altura?

Todos os Mortos oferece uma perspectiva histórica sobre um ponto de viragem na história do Brasil.

“Nós no Brasil estamos vivendo no passado. De momento, não temos futuro. Censura, fascismo, violência extrema contra mulheres e negros – tudo isso está apenas voltando. Tenho a sensação de que fizemos um filme sobre o tempo presente”, diz Carolina Bianchi.

Enfim, cada cena do filme é concebida em detalhe. Os dois diretores colocaram quase oito anos de preparação no filme – também para ficar o mais próximo possível da realidade histórica. Isso porque, além das imagens magistralistas de Todos os Mortos, uma coisa, certamente, também tem sido  bem-sucedida: uma historiografia narrativa que desafia as novas tentativas do governo brasileiro de reinterpretar o próprio passado da nação.

::: TRAILER

::: FICHA TÉCNICA

Título original: Todos os Mortos
Direção: Caetano Gotardo, Marco Dutra
Elenco: Clarissa Kiste, Thaia Perez, Leonor Silveira
Distribuição: Vitrine
Data de estreia: em breve
País: Brasil
Gênero: drama
Ano de produção: 2020
Classificação: a definir

Luis Jachmann

Sou jornalista freelancer alemão da ZDF Paris, WDR e Euronews.
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